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Hoje entrei num dos cafés onde vivi tantos pedaços de mim, mas sem cheiro a café, nem ao murmúrio das conversas. Apenas um silêncio frio e o brilho das mesas já preparadas para o almoço. Eram nove e meia da manhã. Restavam duas mesas livres, junto à porta, como se o café me deixasse só um pequeno espaço de passagem, um último refúgio antes de ser expulsa pelo tempo.
Vinha, como tantas vezes ao sábado, para escrever a minha crónica do JN, esse ritual que me liga à cidade. Perguntei à funcionária se já não era café. Ela respondeu, num tom brando, quase desculpando-se: "É, mas agora é mais restaurante. Já ninguém vem só para tomar café, ler ou escrever. As pessoas preferem ir à padaria ou levar o copo na mão, andando pela rua." E apontou para uma dessas mesitas à porta. Eu, sem voz, sentei-me.
Pouco tempo depois e com um nó no peito, parei numas escadas do Largo de Filipa de Lencastre. E ali, à distância, revi os lugares que me moldaram: A Brasileira, o Majestic, o Império, o Luso, o Avis, o Guarani e agora o Ceuta. Cafés onde vivi a juventude, o estudo, o amor, a escrita. Lugares que eram extensão de casa, de alma e de tempo.
Agora, parecem desertos de pressa, ocupados por mesas de turistas e pratos a sair em série. E pergunto-me: será mesmo apenas o turismo que nos expulsou, transformando os cafés em vitrines para quem passa? Ou fomos nós, habitantes da cidade, que também deixámos de nos sentar, de abrir o jornal, de viver nesses lugares?
Talvez o Porto continue o mesmo, e sejamos nós os estrangeiros. Mas há dias em que, entre o ruído dos talheres e o vazio das chávenas, sinto que a cidade me escapa, como um café que se esfria sem nunca ter sido servido.

