A mesoeconomia dos territórios-rede (II): O agente principal, o ator-rede
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Vivemos ainda na chamada logística dos territórios-zona (T-Z), a logística partidária, a logística eleitoral, a logística municipal, a logística administrativa, a logística sectorial, a logística associativa, a logística sindical, a logística clientelar, a logística identitária, a logística publicitária e propagandística. Todas são logísticas de fronteira tendo em vista a inclusão-exclusão, isto é, a lógica de vigiar e punir, e todas são concebidas para premiar a subordinação e punir a desobediência, todas são concebidas pelo poder vertical para reproduzir o território-zona. Os custos de transação destes T-Z são religiosamente vigiados pois eles são uma fonte privilegiada de lucro no sistema global em que vivemos.
Quanto aos territórios-rede (T-R), ninguém sabe ao certo como acontecerá, em cada caso, a convergência e/ou fusão entre o mundo físico e o mundo digital. Sabemos apenas que o mundo digital vai absorver progressivamente o mundo físico, que esta fronteira é cada vez mais porosa e movediça e que esta transição irá afetar a constelação de poderes, de todas as dimensões, que estão há muito acantonados nos territórios-zona.
De resto, existe, de facto, uma revolução silenciosa em curso e a velocidade das conexões é de tal ordem que vivemos uma espécie de multiterritorialidade permanente. Todos os dias são concebidas novas empresas tecnológicas que criam aplicações e funcionalidades e novas redes colaborativas são geradas que põem a ridículo muitas das funcionalidades do modelo anterior, isto é, do velho e anacrónico mundo industrial.
Todavia, no mundo digital e no universo APP é preciso, porém, não atirar fora a água do banho com a criança dentro. A sedução digital é permanente, mas não podemos contornar a principal dúvida da grande transição, a saber: como transitar das comunidades online para as comunidades offline, de regresso às comunidades de pessoas reais e, também, como inverter as cadeias de valor a que estamos habituados, criando, agora, valor da economia imaterial para a economia material? Dito de outro modo, a economia material não pode ficar refém da economia virtual e duma perversa distribuição de valor no interior da nova cadeia de valor.
No primeiro artigo sobre a mesoeconomia tivemos oportunidade de elencar alguns exemplos de territórios-rede. Ora, a abertura ao mundo, a complexidade e a interdependência dos problemas, obriga a procurar uma organização que saiba e possa corresponder a esses desafios. O ator-rede é, em primeira instância, uma estrutura de missão, mais horizontal do que vertical, e, em segunda instância, uma organização dotada de um mínimo de complexidade e diferenciação, mas também de plasticidade e agilidade para enfrentar e projetar os desafios do mundo de hoje. Além disso, quem assume os riscos a médio e longo prazo? Os direitos das gerações vindouras e dos sujeitos ausentes exigem uma racionalidade atenta à produção conjunta, à gestão agrupada e ao bem comum. Vejamos, então, algumas características de uma teoria do ator-rede.
Em primeiro lugar, a teoria do ator-rede tem um objeto que lhe conforma a natureza, a finalidade e o procedimento, a saber, a renovação da ideia de espaço público e de uma cultura pública comum, uma gramática do bem comum e um projeto comum de ação coletiva, sob a forma de bens de mérito e reputação, os bens e serviços que assumem uma tripla responsabilidade, económica, social e ambiental. De resto, há muitos problemas que não podem ser resolvidos num mercado centrado em bens individuais, em prazos imediatos e visões de curto prazo.
Em segundo lugar, a teoria do ator-rede é uma teoria sobre a modéstia organizacional e a concertação permanente dos interesses, que se robustece pela forma cooperativa e descentralizada como se organiza e que revela uma vontade modesta, mas firme, de realizar pequenas melhorias, sectoriais, provisórias e contingentes. De resto, é uma organização que perscruta o futuro antecipando-o constantemente para aí descortinar a parte invisível da realidade como o risco, a oportunidade, as alternativas, os imaginários possíveis.
Em terceiro lugar, a virtualização da sociedade e da cultura é uma ocasião para alargar a nossa ideia de realidade. Uma dessas ideias é a utopia dos comuns, um bem comum operativo que saiba lidar com a precariedade do que é comum. É certo, há muitos fatores que impedem esta construção do bem comum e de uma nova cultura pública, por exemplo, o narcisismo dos líderes, o poder das corporações, as burocracias políticas, a manipulação da comunicação social, a trivialização do espaço público, a desafeição pela política, a cacofonia discursiva. A teoria do ator-rede combate estes contra-recursos porque sabe que os acordos são sempre provisórios e transitórios e quase sempre de caracter procedimental. Assim, a normatividade da legitimação dá lugar à performatividade dos procedimentos.
Em quarto lugar, a teoria do ator-rede é uma teoria sobre a contingência política que convive normalmente com o desencanto da política, pois num mundo fragmentado vivemos breves ilusões de unidade. No terreno concreto, a teoria do ator-rede é uma construção laboriosa de uma esfera deliberativa dos interesses, tratadas as diferenças e articulado o que é comum, de onde se destaca o papel nuclear da liderança na criação de oportunidades de entendimento.
Em quinto lugar, a teoria do ator-rede visa a construção de um território cognitivo e reflexivo, num horizonte alargado e mediato, porque sem uma renovação do espaço público não é capaz de construir o que é comum. E o que é comum é mesmo bom para todos? Numa sociedade livre de mercado, será o comum uma finalidade verosímil ou uma mera ideia reguladora, um simples procedimento de compromisso entre os diversos interesses em presença? Para quem é bom o bem comum? De que comunidade estamos a falar? Sabemos que uma retórica do bem comum, é uma ideia conveniente; sabemos que a procedimentalização da ideia de bem comum, mesmo uma certa ambiguidade, faz parte dessa retórica; sabemos que a ideia do bem comum é sempre uma questão em aberto, logo é uma tarefa política por excelência que reclama uma cooperação inteligente. Afinal, o que distingue as comunidades do mero agregado de indivíduos é a presença de bens coletivos, de oportunidades e riscos comuns.
Em sexto lugar, a teoria do ator-rede não confunde espaço público com bem comum, pois podemos ter espaço público e não ter bem comum, ou seja, um continente sem conteúdo. Com efeito, não nos podemos limitar ao espaço das instituições públicas nem às meras exortações declamatórias e moralizantes das instituições do centro. A organização da responsabilidade comum é auto-organização e coresponsabilidade. Além disso, o ator-rede dos territórios-rede tem uma dimensão de futuro, alimenta-se de uma geografia sentimental, e prossegue uma ética ambiental para um território.
Em sétimo lugar, a teoria do ator-rede tem uma ambição, qual seja, é preciso salvar o poder tornando-o cooperativo. Quer governar pela cooperação. Os participantes são em geral autorreferenciais, não desenvolvem, por isso, capacidades de reflexão e estratégia. A cooperação oferece a possibilidade de jogos de soma positiva. A lógica da cooperação é tão aberta que dá origem a muitas combinações. A teoria do ator-rede não pode ser governada de um vértice, tem de procurar formas cooperativas de governo, tem de contrabalançar a dinâmica centrífuga dos sistemas diferenciados. Ora, a política foi sempre o governo dos limites. Isto quer dizer que aumenta o número de problemas que só podem ser resolvidos cooperativamente. É preciso, portanto, politizar a cooperação no sentido mais nobre da palavra.
Em oitavo lugar, a teoria do ator-rede representa uma oportunidade única para a proteção dos territórios ameaçados de total despolitização, de irrelevância simbólica e identitária, transformados em simples territórios de suporte sem qualquer enraizamento significativo ou então transformado em mero pastiche turístico traficado no mercado turístico, dentro de uma certa teatralização ou cenarização dos territórios. A espoliação dos territórios em estado de necessidade, dos seus símbolos e signos mais emblemáticos para tráfico turístico. Depois da desideologização, da despolitização e da desidentificação, o ator rede pode contribuir para impedir a sua desterritorialização.
Em nono lugar, a teoria do ator-rede constata que muitas das atividades das organizações tradicionais são pseudo atividades de dissimulação e ocultação. É preciso rever de alto a baixo a estrutura de custos e benefícios destas entidades que veem do antigo regime e que confundem legitimação com responsabilização e competência. A teoria do ator-rede e os territórios têm uma relação direta com o insólito e o inédito, lutam contra a deceção e criam comunidades de destino e efetivas condições de liberdade.
Por último, a teoria do ator-rede reconhece que a reflexão e a estratégia são propriedades contraditórias com a lógica autorreferencial, por isso a coordenação política é difícil e exige um grande esforço de preparação. Por exemplo, nos projetos de integração e/ou assimilação, porque despertam muitas vezes a desobediência e a radicalidade, a política é, por vezes, vítima desta circunstância. Aprofundar as diferenças em vez de as assimilar deve ser o programa. Temos de ter uma estratégia para lidar com a diferença de todos os nossos parceiros.
Nota Final
Depois da economia dos bens públicos, da economia de mercado dos bens privados e da economia solidária dos bens e serviços sociais, é, agora, a vez da economia dos bens comuns colaborativos (BCC) dos territórios-rede. Está assim constituído o mosaico da economia regional e a cooperação entre as quatro economias é fundamental para formar a mesoeconomia dos territórios-rede. Esse é o papel do ator-rede.