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Nesta convulsão tumultuosa de indigências em que o país está envolto não será de estranhar que essa situação tenha chegado ao campo da (s) cultura (s). Nada, nem ninguém, neste momento do país tem sossego para afrontar os problemas que trucidam cada sector de actividade. E nesta área onde também a crise (financeira e económica) chegou de forma desabrida não têm sido calmos os dias de quem, acima de tudo, precisa de tranquilidade para criar, inovar.
O anúncio súbito da ministra da Cultura da necessidade de reduzir em 10% os compromissos já assumidos entre Governo e artistas e os cortes de ajuda a entidades fomentadoras e produtoras de actividades culturais provocou um enorme e justificado mal-estar.
Teve, porém, um efeito altamente positivo: reuniu, numa plataforma unida, actores sociais dos mais diversos ramos de actividade cultural, nem sempre firmes e solidários nas formas de actuação.
Não terão resolvido as grandes questões do sector, mas pelo menos forçaram o Governo e o primeiro-ministro a virem a terreiro para recuar nas decisões atabalhoadas já tomadas e repensar a situação.
Mas a confusão e crispação não podem ser aquelas presentes, ontem, na audição da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura, no Parlamento.
Antes da crise (desta e outras), a cultura neste país é um sector que sempre tem necessitado de políticas públicas, coerentes, claras e adequadas à realidade do país. A actividade cultural, por falta de perspectiva, por vezes pelos responsáveis políticos, por vezes pelos próprios responsáveis deste sector, tem sido remetida para um "quarto escuro", como não fazendo parte da essência dos valores da vida dos cidadãos.
Indisfarçável barómetro do nível de um povo, a expressão cultural tem uma dimensão económica e de envolvimento social que não podem ser menosprezados. Felizmente, o valor cultural de Portugal no Mundo é um valor que nem as "agências de rating" podem desvalorizar.
Não sou defensor da absolutização do deus-Mercado como princípio alimentador do sistema da actividade produtora de cultura. E sobretudo num país materialmente pobre como o nosso, dispensar o Estado de ser particular incentivador e regulador das actividades deste campo, com regras claras, dispositivos transparentes, é suicidário. É certo que, garantidas determinadas condições, a actividade cultural não pode escamotear outro princípio: o público, como elemento sustentador dos bens culturais, também se "produz". Mas nunca poderá andar à míngua de dez por cento.