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São mais de 10 milhões, mas a operação arranca pelos três milhões que o líder cataloga como mais perigosos. Logo se irá atrás dos restantes. Antes de tudo, há que identificá-los e encontrá-los e vai ser preciso uma unidade especial de segurança. Eles vivem entre nós, podemos não os reconhecer, pode ser um vizinho, pode ser a empregada de limpeza, pode ser o jovem que nos serve o hambúrguer no McDonald"s ou o café na Starbucks, pode até já ser o educador dos nossos filhos, como havemos de saber? Não têm nenhum sinal colado ao peito que permita identificá-los (talvez valha a pena pensar nisso). São poupados e têm bens, mas, o que quer que tenham, é propriedade ilegal. Só poderão levar o que forem capazes de carregar e convenhamos que o espaço que vai sobrar nos aviões, camionetas, vagões de comboios, não será generoso. O resto confisca-se e fica para o Estado.
É preciso montar uma estrutura onde possam ser alojados temporariamente, um sítio onde os concentrar enquanto aguardem a deportação. Talvez lhe possamos chamar campos de concentração, designação inócua, técnica, que não assustará as almas mais sensíveis. Teremos de separar os homens das mulheres. Estas poderão ficar com os filhos mais pequenos, mas os menores sós terão instalações independentes. Os campos não podem ser erguidos de qualquer maneira, é preciso uma organização de género militar, com linhas ortogonais, áreas para dormitórios, zonas de recreio, cozinhas e cantinas, balneários. Os campos terão obviamente de ser cercados, para evitar as fugas.
Vai ser preciso contratar gente para estes campos, e também aqui se justifica uma unidade especial de segurança. Terá de ser gente dura, capaz de resistir às emoções e de aplicar castigos. E é certo que vai ser preciso castigá-los, afinal é gente que não respeita a lei (não é precisamente "ilegais" que lhes chamamos?), que abandonou os seus lugares de origem e se infiltrou entre nós, espalhando os seus costumes, as suas religiões, as suas línguas, ou seja, a sua cultura, de uma forma insidiosa e perigosa. Como insistiu por estes dias o nosso novo líder, são três milhões de criminosos, membros de gangues, traficantes de droga. Alguns, porventura, serão terroristas. Vai ser preciso torturá-los, para lhes arrancar a verdade. Não é o tempo de humanismos inúteis. É preciso ser implacável.
PS: As semelhanças entre esta história e uma outra, ocorrida no século XX, na Alemanha, não são mera coincidência. É certo que, nos EUA, ainda se está na fase da retórica. Mas foi Trump quem, já esta semana, deu o tiro de partida para o arranque de uma operação de limpeza étnica. Não sei se se inspirou em algum resumo que lhe tenham feito chegar de "A minha luta" ("Mein Kampf"), de Adolf Hitler. Mas que há aproximações assustadoras entre o pensamento de um e de outro, isso é inegável. Sendo que Trump, que já era um homem perigoso, é agora também um homem poderoso.
*EDITOR-EXECUTIVO