1. O governo anterior fez muita asneira, mas nem tudo o que decidiu foi errado. O critério para avaliar se uma resolução é boa ou má, não pode depender da cor partidária de quem a tomou. Toda a gente assinará por baixo estas duas proclamações. E, no entanto, nas fases de transição, sobretudo quando há mudança dos partidos no poder, existe a tentação dos aparelhos partidários para assacarem à má vontade e sectarismo do executivo precedente, a eventual recusa de um investimento. Sabidos, já durante a campanha eleitoral, aproveitando o frenesim inerente, foram arrancando promessas e compromissos. Ouvi, por exemplo, dizer que Passos Coelho se terá comprometido a reactivar o investimento do Metro do Mondego e a verdade é que, ainda nem o novo executivo está completo, já aparecem a reclamá-lo. Confesso ter simpatia por este tipo de empreendimento e me parecer que a sua avaliação nem sempre toma em devida conta os seus efeitos adicionais, por exemplo em termos de redução da poluição e das importações, pela via do menor consumo de combustíveis. Espero, ainda assim, que o governo pondere bem todas as suas decisões e não comece a enredar-se em precedentes dos quais dificilmente se libertará e, o que é pior, nos reconduzem ao mesmo caminho que aqui nos trouxe. A obra ser "nossa" não é critério de decisão.
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2. Desse ponto de vista, a notícia de que Portugal poderá vir a beneficiar de uma antecipação dos fundos do QREN, não é necessariamente boa. Aparentemente, esses fundos servirão para, pela facilitação do investimento, estimular a procura, compensando a retracção do consumo privado e das despesas públicas. Se tal acontecer, a recessão poderá ser atenuada e o desemprego contido. Porquê, então, as reticências? Repito a recomendação: é preciso ponderar bem as decisões. Foi a má utilização de muitos desses fundos que nos trouxe ao estado actual. Por mim, se fosse possível, utilizaria parte substancial desses recursos na diminuição do IRC, beneficiando as empresas que apresentam resultados positivos. Ou, como sugerido por Pita Barros, tentaria abatê-los à dívida. Sem muitas mais contas, tenho quase a certeza de que ficaríamos a ganhar.
3. O momento de apresentação do plano de reestruturação dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) foi criticado por todos os partidos. Unanimidade há, ainda, quanto ao impacto regional que a operação daquela empresa tem e ao efeito social do despedimento de quase 400 trabalhadores. Daí até à conclusão de que, por ter uma carteira de encomendas de 500 milhões de euros, a empresa é viável, vai um grande passo. Repete-se a recomendação anterior: analise-se com rigor, sem subterfúgios. Explique-se. Só assim se ganhará a confiança. Pode acontecer que, para salvar os restantes postos de trabalho, os despedimentos sejam imperiosos. As empresas, mesmo as públicas, não se devem substituir aos mecanismos de segurança e solidariedade social. Esse equívoco já custou muitos milhões de euros ao país. Esses mesmos euros, se canalizados para os serviços e projectos adequados, teriam servido para apoiar melhor quem deles precisa. Com o desemprego tão alto, haverá a tentação de salvar postos de trabalho. É natural e humano. Mas não a qualquer custo.
4. Contestando a proposta, os trabalhadores dos ENVC terão ameaçado e insultado o presidente do conselho de administração que, na sequência do incidente, se demitiu. Em declarações à TSF, um dirigente sindical acusou Veiga Anjos de se estar a vitimizar, classificando os insultos como piropos, comuns na democracia. Um outro, alegrou-se com a demissão por a pessoa em causa, talvez devido à idade avançada (terá 68 anos!), já não ter ideias novas. Achei estas declarações um escândalo. No dia a seguir procurei-as na imprensa. Puro engano. Convenientemente, o politicamente correcto prevalecia. Se tivesse sido um dirigente patronal, por mais obscuro que fosse, ocorreria o mesmo? Estes complexos de esquerda ainda a matam!