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A minicrise, digamos assim, que se instalou na Câmara do Porto é tributária de uma certa infantilidade política de uma parte dos protagonistas da dita-cuja. O que está em causa é muito simples: os herdeiros de Rui Rio convenceram-se de que conseguiriam passar um mandato inteiro (uma eternidade, em política) sem serem incomodados pelo passado. Sucede que o passado nunca reconhece o seu lugar. Quer dizer: está sempre presente, mais cedo ou mais tarde aborda-nos, confronta-nos. O que se percebe, pelos azedumes noticiados e pela periclitante solução encontrada, é que o passado não permite ao CDS e ao PSD caminhar por entre os pingos da chuva. O que se percebe é que, no futuro, quando todos os esqueletos saírem do armário, o passado será pesado. Provavelmente, muito pesado.
Rio e Moreira só coincidem no nome próprio. Politicamente, podem aproximar-se e afastar-se em função das circunstâncias. Mas naquilo que verdadeiramente os marca e define enquanto pessoas e atores que exercem na praça pública, Rio e Moreira são muito, muito diferentes (graças a Deus!). Por isso, quando Sampaio Pimentel (CDS/PP) e Guilhermina Rego (PSD) mostram sinais de desagrado com o rumo desenhado por Moreira, estão a cair numa armadilha que não souberam prever. Mais: quando acusam o presidente da Câmara de conceder excessivo protagonismo e poder a Manuel Pizarro (PS), estão a passar a eles próprios um atestado de incompetência. Se Guilhermina, que é vice-presidente, acha que manda menos do que Pizarro, uma de duas coisas acontece: ou não é capaz de se impor, ou estão a tirar-lhe o tapete, circunstância em que só lhe restam duas palavras: basta e adeus.
Casos como o do Rivoli, das salas de chuto e da (putativa) concessão da STCP são bastante ilustrativos do pensamento de Rui Moreira. Pode gostar-se, ou não, das opções do presidente da Câmara, mas não pode dizer-se que Moreira está a seguir caminhos de que nunca falou. Donde: ou Sampaio e Guilhermina estiveram desatentos na campanha - o que é grave; ou, estando atentos, opõem-se agora ao que, pelo menos tacitamente, antes aprovaram - o que é um bocadinho mais grave.
Coisa diferente é o dossiê do Bairro do Aleixo. As teses dadas como plausíveis pelas várias sensibilidades políticas a partir do momento em que ficou a conhecer-se que ali há gato, para usar uma expressão coloquial, são o melhor exemplo da dimensão que o caso ameaça ganhar. Assim de repente, podemos estar perante a matéria mais explosiva dos últimos anos na política portuense, uma espécie de Plano de Pormenor das Antas aplicado à gestão de Rui Rio. Este imbróglio tem duas consequências imediatas - e talvez já imparáveis. Por um lado, a imagem imaculada (para alguns) do homem que deseja liderar o país estará posta em causa. Por outro lado, Moreira tem aqui o dossiê que lhe permite cortar cerce com o passado recente. Há muita expetativa colocada no próximo episódio...