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Teve início a celebração dos 100 anos de implantação da República. Fala-se da promoção da igualdade de oportunidades, da meritocracia e da ética republicana de direitos e deveres, por contraponto às regalias hereditárias implícitas na ordem monárquica. Palavras bonitas mas que me deixam confuso. Se bem percebi, na convocatória de greve, o sindicato dos enfermeiros fala em direitos devidos aos licenciados. A sua contestação recebeu o apoio enfático dos líderes da autoproclamada Esquerda parlamentar. Mas isso não equivale a subscrever princípios de casta que nem os monárquicos já hoje defendem? Pensando bem, não é de espantar em quem se louva na "monarquia" cubana ou, nos piores dias, na da Coreia do Norte. Nesta deriva, PC e BE estão hoje transformados em plataformas de interesses corporativos que, sem pudor, defendem direitos afins dos nobiliárquicos, com o nascimento substituído pela obtenção da licenciatura ou da cédula sindical. Direitos que defendem com base numa lógica reaccionária de inveja primária: os outros (licenciados, neste caso) têm, nós temos de ter. Acontece que os "outros" não têm. Os "outros" que têm são, quando muito, os empregados no sector estatal. Há outros que não têm nem emprego estável, nem a remuneração inicial que reclamam. Muitos estarão desempregados, outros em empregos que a crise e a concorrência se encarregam, todos os dias, de pôr em causa. Somam 10,4% da força de trabalho, anuncia o Eurostat. Ironicamente, no mesmo dia em que o sindicato dos enfermeiros reivindica regalias a que, como de costume, chama direitos.
A cedência aos professores foi o prenúncio para as outras corporações. Entrincheiradas no sector estatal, chamaram sua à res publica, tornando-a feudo seu, na retórica como na prática, condenando os contribuintes ao estatuto de novos servos da gleba. Como em qualquer monarquia absoluta, o Estado são eles e é deles.
Obcecados com os seus interesses, pouco lhes interessa o que se passa à sua volta. Portugal à beira do abismo? Com eles, dar-se-á o passo em frente. Se fossem só eles! Se não levassem o resto de arrasto...
No meio disto tudo, tenho pena do ministro das Finanças: todos os dias lhe surgem "finanças regionais" e "Albertos Joões" (incluindo este escriba!).
albertocastro.jn@gmail.com