Era uma mulher muito forte num mundo de homens. No jornalismo, como na política, as salas de fumo estavam reservadas para eles, mas Constança nunca ligou ao predeterminado, ao que ficava bem e, sobretudo, ao que os outros, por mais pintados que fossem, pensavam ser o correto. Conheci-a no Snob, bar de influência onde eu raramente ia. Estava acompanhada por António Ribeiro Ferreira, seu terceiro marido e um homem que tinha tanto de reacionário como de generoso, um enormíssimo jornalista. Constança era excessiva, absoluta, injusta e apaixonada. Tinha uma cultura que a tornava implacável no mágico e perverso ofício da retórica. Licenciara-se em Filosofia antes de embarcar numa viagem em que empenhou tudo o que nela era distintivo. Foi uma das últimas jornalistas que viveram a profissão 24 horas por dia, nela tudo era política, tudo poderia ser uma estória, tudo eram oportunidades para saber mais, contar melhor, ter notícias. Escrevia de dia, pensava enquanto falava ou nas longas sessões de leitura de domingo, cultivava fontes pela noite. Fontes e paixões radicais que vivia como se a vida fosse acabar na manhã seguinte. São épicas as noites de copos em que na sua mesa se tentava salvar o Mundo e lendárias as discussões com Vasco Pulido Valente, talvez a paixão da sua vida. Quando falavam um ao outro, mesmo que o restaurante estivesse a abarrotar, só eles pareciam existir. Morreu Constança Cunha e Sá e o país ficou mais vazio. Uma mulher corajosa, magnética e que marcou um tempo que dificilmente voltará.
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