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Duas polémicas da semana são reveladoras de que o tema da morte continua a ser tratado de forma polarizada e superficial, nomeadamente quando a discussão da eutanásia cai na arena política ou moralista, sem a dignidade e profundidade que merece.
A Pontifícia Academia para a Vida, o organismo que estuda e regula as questões bioéticas sobre a vida, publicou este mês o “Pequeno léxico sobre o fim da vida”, que explicita uma série de conceitos e refere claramente que o médico deve respeitar a vontade dos doentes vegetativos de não serem alimentados. E até sugere que, para evitar más interpretações, os crentes deixem escrito a que tratamentos querem ou não ser submetidos quando não puderem decidir - um apelo sensato e pedagógico a uma maior adesão ao testamento vital, que, em dez anos de vigência em Portugal, conta apenas com 68 mil inscrições. O documento não altera uma vírgula à posição da Igreja sobre a eutanásia, mas foi suficiente para que a linha dura dos católicos se insurgisse contra a alegada abertura do Vaticano à morte assistida.
Por cá, uma resposta da ministra da Saúde ao PS sobre a regulamentação da lei da eutanásia gerou uma crise interna no Governo AD. O gabinete de Ana Paula Martins disse que a regulamentação da lei está em “fase de elaboração”. A informação deixou em alvoroço o CDS. Os deputados Paulo Núncio e João Almeida apressaram-se a questionar o Governo se houve alguma mudança de posição dos sociais-democratas, já que Montenegro tinha dito que era preciso esperar que o Tribunal Constitucional se pronunciasse sobre os pedidos de fiscalização sucessiva que tem para apreciar (um do PSD e outro da provedora da Justiça, a pedido dos centristas). Depois foi a vez de o ministro da Presidência deixar tudo ainda mais confuso. Questionado, Leitão Amaro assegurou que “o Governo não legislou, não tem em circuito legislativo, nenhuma iniciativa relativa à morte medicamente assistida”. A única certeza é que a lei da eutanásia - aprovada quatro vezes no Parlamento, a última em abril do ano passado, e já publicada em “Diário da República” - está por cumprir e o direito a morrer com dignidade continua adiado.