Numa época em que se escolhem as personalidades do ano, há um nome que não é óbvio e que não aparece na maioria das listagens. Gisèle Pelicot, a francesa que foi drogada e violada repetidamente pelo marido, e por outros 70 homens convidados por ele, durante quase uma década.
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A família parecia perfeita. O violador e promotor de abusos sexuais é pai de três filhos e avô de seis netos. Um pai respeitado, que levava o filho e os netos ao futebol e organizava festas de aniversário. Uma pessoa adorada pela comunidade.
É difícil imaginar que um homem possa drogar e violar a própria mulher. É quase impossível acreditar que também entregasse o corpo da companheira a outros indivíduos para fazerem o que quisessem durante horas. Fez mais de 20 mil fotografias e vídeos e catalogou os “abusos”, “os seus violadores” e a “noite sozinha”.
Podemos achar que estamos perante um louco. Só alguém muito doente poderia violar a mulher e entregá-la também inconsciente a um empresário, um camionista, um treinador, um canalizador, um enfermeiro, um jornalista, um militar. Mas Dominique Pelicot não é louco. “Não sofre de nenhuma patologia ou anomalia mental”, segundo os exames psiquiátricos realizados durante o processo.
Gisèle Pelicot preferiu transformar-se num exemplo de resistência do que ceder à vergonha, numa sociedade onde tantas vezes o silêncio impera diante da violência sexual. Optou por lutar por justiça, ignorando julgamentos alheios e preconceitos.
Se o seu gesto inspirar outras mulheres a quebrar o silêncio, talvez consiga mudar a triste estatística que mostra que uma em cada seis mulheres na Europa é vítima de violência sexual.
Dominique Pelicot roubou a dignidade da mulher. Roubou a infância aos filhos. Mas não conseguiu roubar a lição de Gisèle.