Veio nas notícias que o município de Torre de Moncorvo deliberou por unanimidade abolir o título académico do tratamento entre os eleitos locais. Diz José Mário Leite (que, se o Google não me enganou, é um engenheiro) que "mais importante é ser deputado" e que os tratamentos de doutor "ali não fazem sentido" e podem até "trazer alguma característica de diferenciação". O presidente da Assembleia Municipal transmontana não é o primeiro a tentar acabar, por decreto, com a veneração patética que Portugal tem por títulos académicos.
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Há uns anos, não muitos, tivemos um ministro que só queria ser tratado por Álvaro. Santos Pereira explicou que a informalidade lhe veio dos tempos em que estudou em Inglaterra, onde, em vez de se tratar um professor catedrático pelo título, se usava apenas o nome próprio. Simple as that. O Reino Unido é, aliás, exemplar em matéria de tratamentos. Doutor é o médico. Os outros são senhores. Em Espanha, trata-se tendencialmente por tu, e "dom" é apenas uma cordial reverência. No Brasil, quem tem dinheiro é doutor. Estranho é não termos importado esta mania do país irmão juntamente com as telenovelas. Afinal, Portugal é em muitos aspetos uma espécie de Sul da América da Europa e a apetência por doutores e engenheiros é mais do que muita. Seja por direito, por cunha ou por estudo ao fim de semana. O meio é apenas um detalhe. Importa é sê-lo. Para depois parecê-lo. E, a partir daí, exercer a autoridade perante os outros por via da "titulocracia". O passo seguinte para o aspirante a "titulocrata" é andar de BMW ou Mercedes e ocupar dois lugares no parque de estacionamento com o seu bólide.
Acontece que quem nega um título pode enfermar do mesmo tique presunçoso de quem o assume compulsivamente. Ambos poderão ser "empobrecedores das relações sociais", como muito bem definiu no JN o sociólogo Albertino Gonçalves.
Certo é que a referência ao título fora do círculo onde ele efetivamente importa não é só ridículo. É também profundamente pacóvio. E é-o sobretudo se recordarmos que, neste país onde todos querem ser (ou tratados como tal) doutores e engenheiros, a percentagem de cidadãos entre os 30 e os 34 anos licenciados era menos de 30% no ano passado. Um valor muito distante da média europeia, que se situa bem acima (36,8%) da nossa performance. Os números não são agradáveis e arriscam-se a comprometer os objetivos traçados pelo Governo até 2020 e que apontavam para um valor de licenciados naquela faixa etária a rondar os 40%.
Com a baixa da expectativa de empregabilidade e com a adequação que as universidades estão a fazer tendo em vista este novo ambiente socioeconómico, o mais certo é continuarmos na cauda da Europa em termos de atribuição de canudos. Mas isso não interessa nada. Em matéria de tratamento, somos os maiores e continuaremos a deter as mais altas percentagens de doutores e engenheiros.