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A candidatura de Fernando Nobre a presidente do Parlamento constituiu um terramoto político. Gerou perplexidades no partido pelo qual concorre, o PSD, despertou invejas nos outros partidos. Mas sobretudo agitou as águas no pântano que hoje é a política portuguesa. Do ponto de vista social-democrata, é um acto de coragem. É de louvar que um partido do sistema convide para as suas listas alguém que tem sido crítico da partidocracia dominante e que tem pugnado pela cidadania. Esta atitude do PSD representa abertura ao exterior, é mesmo uma autocrítica ao seu passado, e como tal deve ser saudada.
Para Fernando Nobre, a jogada é de alto risco. Assume uma candidatura à presidência do Parlamento, irá tentar ajudar a reformar a sede da democracia e, a partir desta, o próprio regime. Sabemos como essa tarefa é urgente e ciclópica. O Parlamento está desacreditado, há muitos anos que não vem cumprindo a missão que lhe está constitucionalmente atribuída. Não produz legislação de qualidade, nem tão-pouco fiscaliza a actividade governativa. Os grupos parlamentares são correias de transmissão dos aparelhos partidários e a maioria dos deputados passa o tempo a traficar influências. Ao futuro presidente da Assembleia apenas podemos desejar sucesso nesta tarefa de reformar a casa da democracia.
Claro que muitos dos seus apoiantes nas presidenciais estarão desiludidos, alguns até se sentirão traídos. É legítima a sua mágoa. Imaginam que há uma tentativa de aproveitamento de transferir os 600 mil votos de Nobre para o PSD. Mas não é disso que se trata, em meu entender. Esta atitude de Nobre representa um esforço individual meritório de incorporar na vida parlamentar os valores e princípios pelos quais se vem pautando a sua vida pública. Valores e princípios que a nossa democracia, hoje tão desacreditada, não pode desperdiçar.
Todos e cada um dos seus apoiantes sabem que Fernando Nobre dispõe de força anímica e autoridade moral para este combate e nele, estou certo, continuarão a rever-se. A avaliação, em todo o caso, não deve ser feita agora, mas sim no final da legislatura. Se, daqui a quatro anos, Fernando Nobre, enquanto presidente do Parlamento, tiver contribuído para reformar a instituição decadente em que se transformou a Assembleia da República, terá valido a pena.