O Governo aprovou ontem um importante pacote de medidas de emergência que visam dar resposta à tragédia dos incêndios de verão. Podem pecar, porventura pecam mesmo, por escassas e tardias. Mas são bem-vindas.
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Quando ainda se apagam fumarolas e, sobretudo, porque nos pesa a memória dos que morreram, a dor dos que perderam gentes e haveres, e se nos enegrece a alma e o olhar diante de tão vasto horizonte de cinzas, é crucial que aquelas medidas sejam concretizadas. E que o sejam "de forma rápida e convincente, agora que se junta a interpelação dos que prematuramente partiram à exigência indignada dos que ficaram".
A pretexto dos incêndios e das notórias fragilidades do Estado no combate a esse flagelo, a Assembleia da República debate na próxima terça-feira uma moção de censura contra o Governo socialista. A iniciativa é do CDS e conta com o voto favorável dos deputados do PSD, mas está condenada ao fracasso. Porque, à esquerda ou à direita, quem achar que a questão se resolve com a contagem de tais votos não percebe verdadeiramente o alcance do que aconteceu nos últimos quatro meses, nos últimos dias. Porque a verdadeira moção de censura não é aquela que a maioria dos deputados vai reprovar. O aviso, bem sublinhado, esse, ouvimo-lo da boca de Marcelo, o presidente, quando, lá desde o interior mais fustigado pelos fogos, advertiu que esta é a última oportunidade para levarmos a sério a floresta. E disse-o com a autoridade de quem fala por cada um de nós. Porque - apesar da tentação de alguns para o oportunismo necrófilo - os portugueses sabem bem que a culpa que é preciso expiar diante da tragédia não é só deste ou daquele Governo, é o cadastro político de décadas de desordenamento, abandono e incumprimento da lei, próprios de um Estado falhado. E nesse cartório cabemos todos. Até porque, em nome da famigerada Política Agrícola Comum, também fomos cúmplices desse autêntico suborno que aceitámos da União Europeia, que nos subsidiou, ao longo dos últimos 30 anos, a destruição da agricultura autóctone e, em consequência, o abandono do mundo rural português, dois terços do nosso território.
Bem pode o país político discutir se aqueles 400 milhões de euros que o Governo vai afetar a todas as parcelas ontem enunciadas são, ou não, suficientes para responder à emergência e a que arranjos de última hora vão obrigar na negociação do Orçamento do Estado. Não exorcizam, porém, a confiança abalada. Assumir a floresta como prioridade, dizia ainda ontem o presidente, reclama "uma convergência alargada. Porque os governos passam e é crucial que a prioridade permaneça".
* DIRETOR