A polémica sobre a ausência de condolências públicas por parte do presidente da República, a propósito da morte de quatro bombeiros, é o último exemplo da inabilidade dos agentes do Estado em lidar com o já não tão novo fenómeno das redes sociais. Ao escudar-se, por entreposto assessor, na "discrição e seriedade que a situação humanitária reclama" para não apresentar uma mensagem privada de pesar, o presidente não ignorou apenas o impacto que o seu silêncio teria na motivação dos milhares de homens e mulheres que continuam a combater as chamas na floresta. Cavaco Silva e os seus colaboradores não perceberam que ao tornar público o pesar pelo falecimento de António Borges estavam a usar outro peso e outra medida. Era conhecida a amizade entre ambos, mas, se a mensagem de Cavaco era mais pessoal do que institucional, deveria ter sido "postada" na sua página particular e não na da Presidência. Esta pode parecer uma questão menor, mas quem o faz nega a importância das redes enquanto plataformas de livre expressão. Espaços onde todos - e especialmente as corporações, como os bombeiros - observam atos que sendo meramente formais são também manifestações públicas de reconhecimento do esforço coletivo.
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Em resumo, não é por nos manifestarmos no espaço virtual que devemos deixar de observar protocolos.
Em matéria de redes sociais, mais radical foi a atitude de Passos Coelho. Depois da polémica mensagem de Natal, publicada no Facebook no final do ano passado, o primeiro-ministro não resistiu à avalancha de quase 30 mil comentários negativos. Desde então, Passos remeteu--se ao silêncio social e poupou os seus mais de 120 mil seguidores a mensagens tão demagógicas quanto aquela onde constatava que o Natal de 2012 não era o que merecíamos. E, de facto, não foi.
Mas, falando de proatividade nas redes, será difícil igualar a página oficial da embaixada de Portugal no Cairo. À razão de mais de 20 "posts" ou partilhas diárias, a representação diplomática na capital do Egito revela-nos o quanto pode ser refrescante um sumo de cana-de-açúcar. Numa demonstração clara da nossa dinâmica diplomática (não se sabe se herdada da modernidade de Paulo Portas ou se da maturidade de Rui Machete), a página da missão gerida pelo embaixador Tânger Corrêa mostra-nos também as imagens de Mariah Carey, de cabelos ao vento, junto às pirâmides. Ou uma invejável coleção de "Barbies faraónicas" (sic). Até aqui os seguidores ainda aguentavam. O trabalho da diplomacia na rede seria apenas patético. Mas ele vai mais além. Anteontem, o gestor da página decidiu partilhar uma imagem publicada pelo editor do jornal "Sawt al-Umma" onde se pode ler: "Os egípcios querem paz! A Irmandade Muçulmana quer guerra!". É estranho, no mínimo, que uma representação diplomática se possa atrever a tomar partido e a repercutir mensagens deste tipo. Mesmo quando visam um partido despojado do poder por razões inteligíveis aos olhos do mundo ocidental, ainda que tenha vencido eleições livres e tendencialmente justas.
O bom senso que deve nortear as missões diplomáticas em qualquer circunstância parece, todavia, um pressuposto ausente na comunicação da nossa embaixada no Cairo. Ou não teríamos, como tivemos, o embaixador a reportar em direto os acontecimentos recentes no país para colmatar a falta de enviados especiais por parte dos media nacionais. Por isso, a defesa no Facebook de um dos lados no atual xadrez político vivido naquele país é apenas um detalhe. Grave, convenhamos.