Corpo do artigo
O problema democrático da União Europeia não é a falta de mecanismos de representação dos cidadãos. Estes são representados, por via indireta, através dos seus governos nacionais e, por via direta, elegendo os deputados para o Parlamento Europeu. A isto acrescem formas de participação no processo legislativo muito mais amplas do que a nível nacional e o controlo feito pelos parlamentos nacionais através do controlo de subsidiariedade. O problema democrático europeu é outro: é a ausência de um espaço político europeu. Para os cidadãos, as clivagens políticas europeias são nacionais. Não existem verdadeiros partidos políticos europeus. Nem são claros os projetos políticos europeus alternativos. Na ausência destas alternativas o debate ou é nacional ou, apenas, contra ou a favor da Europa.
Foi para suprir este défice político que os grupos políticos europeus apresentaram diferentes candidatos a presidente da Comissão Europeia, permitindo uma escolha entre esses candidatos e respetivos programas. O objetivo era aproximar as eleições europeias de uma competição eleitoral pela liderança do "Governo" europeu, europeizando as eleições. Só que o Conselho Europeu ignorou esses candidatos indicando antes Von der Leyen (quase desconhecida na Europa). Muitos temem um golpe fatal no Parlamento Europeu: depois de pedir aos cidadãos que valorizem eleições, o Conselho ignorou os candidatos às mesmas e o Parlamento acabou por aceitar essa proposta. Há que notar que o Conselho indicou alguém originário do grupo político mais votado, mas o que reforçou a perceção de irrelevância do PE foi toda a negociação no Conselho, incluindo indicações para vice-presidentes da Comissão (uma prerrogativa exclusiva da presidente desta).
Van der Leyen fez um belo discurso no PE, mas, de forma a assegurar o apoio do Parlamento, prometeu dar a este, de facto, o poder de iniciativa legislativa (até agora, monopólio da Comissão). Quando muitos temiam uma secundarização do Parlamento, esta alteração vem reforçar o seu papel de forma significativa. A verdadeira revolução é outra: entalada entre o poder crescente de Conselho e Parlamento é a Comissão que pode estar em crise. Isto já foi visível neste último mandato (com uma queda enorme no número de processos por incumprimento contra estados-membros trazidos pela Comissão cessante). A perda de controlo do processo legislativo pode ser um passo adicional no enfraquecimento da Comissão. Isto tem custos significativos para o método comunitário (assente na Comissão) que tão importante tem sido para estados pequenos e médios como Portugal...
*Professor universitário