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Há uma semana, ninguém imaginaria a sucessão de acontecimentos alucinantes que marcaram estes dias. Qualquer deles, isoladamente, já seria suficiente para nos deixar preocupados. Em conjunto, deixam o país atordoado, incrédulo com a irresponsabilidade e com a leviandade que nos precipita na mais grave crise política de que há memória no Portugal democrático que saiu do 25 de Abril.
Desde logo, a demissão de Vítor Gaspar.
Com a reforma do Estado para se fazer, com mais uma avaliação da troika para se iniciar e com o difícil orçamento para o próximo exercício em preparação, não era previsível que o ministro das Finanças batesse com a porta. Sabiam que isso poderia acontecer, Passos Coelho e Portas. Para a generalidade dos portugueses, habituados à pelo menos aparente frieza com que Gaspar aplicava as mais duras medidas impostas pelos credores, a demissão e as razões por que o fez são uma surpresa. Mas não chocou o país. Pelo contrário, foi vista como uma oportunidade para se mudar de rumo e para se poder, finalmente, ter esperança em dias melhores, como indiciava na carta que escreveu.
Muitas vezes aqui critiquei duramente o ministro das Finanças. Mas, na hora da saída, há que reconhecer que Vítor Gaspar o soube fazer pela porta da frente e de cabeça erguida.
Depois, tivemos a nomeação de Maria Luís Albuquerque para substituir Gaspar. Aqui começa o choque. Como é possível nomear para um cargo de tal responsabilidade alguém sob suspeita de comportamento menos exemplar no caso das swaps? Só pode acontecer porque é a melhor cara para assegurar que não haverá mudança nas políticas recessivas em curso. É o assumir da evolução na continuidade. Só que, ao constatá-lo, se esvai a esperança de uma desejada clara mudança de rumo. Quase em simultâneo vem a " irrevogável " e já hoje revogada demissão de Paulo Portas que, sem qualquer sentido de Estado, precipita a crise, importando-lhe mais saber quem tem ganhos pessoais do que acautelar o superior interesse do país.
Ainda assim, o presidente da República dá posse à nova ministra como membro de um governo que já não se sabe se o é de facto. E Passos Coelho comunica ao país que não se demite e que no dia seguinte estará em Berlim, com os demais chefes de Governo da UE, onde poderá tranquilizar os parceiros europeus sobre o controlo dos danos abertos por esta crise.
Para completar esta sucessão vertiginosa de acontecimentos, o CDS suspende o seu congresso na Póvoa de Varzim. Que outra coisa poderia fazer Portas? Tinha um congresso de onde esperava sair glorificado e, afinal, arriscava-se a sair de lá crucificado.
No meio de toda esta loucura, o que poderia fazer o PS senão insistir em eleições antecipadas? Se antes tinha razões, agora tem-nas acrescidas. É por de mais evidente que o líder do CDS é o grande responsável pelo desencadear desta gravíssima crise política.
A propósito do comportamento pouco confiável de Portas, costuma contar-se a fábula da rã e do escorpião que aqui quero relembrar. Um escorpião, querendo mudar do lugar onde vivia para outro, depara-se com um rio que teria de atravessar. Como não sabe nadar e vê uma rã na borda de água, pede-lhe para o transportar no seu dorso até à outra margem. A rã recusa porque, diz, ele a poderá morder durante o percurso. Que não, diz o escorpião, porque nesse caso morreríamos os dois. Convencida dos argumentos lógicos do escorpião, a rã consente em o transportar. Mas chegados ao meio do rio e vendo que estava totalmente dependente da rã e que ficaria a dever-lhe um favor, o escorpião mordeu a rã. Sentindo que iriam morrer, a rã diz-lhe: como pudeste fazer isto, não vês que morremos os dois? Ao que o escorpião responde: não pude evitar. Infelizmente, essa é a minha própria natureza.
Reconta-se esta história a propósito da conduta de Paulo Portas com Marcelo Rebelo de Sousa, com Durão Barroso e com Santana Lopes. Só que no caso de Passos Coelho, a fábula tem outro fim. Chegados ao meio do rio e vendo que o escorpião lhe ia dar a picada fatal, a rã sacudiu a carga e o escorpião afundou-se nas águas turbulentas. A rã percebeu a tempo qual a natureza do escorpião.