É coisa que não lhes sai da cabeça, desde os tempos de Maldonado Gonelha -lembram-se dele? «Partir a espinha à Intersindical!»
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Pobres dos sindicatos, mais corcundas que Quasimodo de tanta bordoada, seja das leis cada vez mais sufocantes, seja da incompreensão dos seus associados, reféns da alienação e do tempo insolidário - mas que ainda vão encontrando suplemento de alma para salvar Esmeralda e entregá-la generosamente ao apaixonado Febus.
Quem é que quer «partir a espinha» aos sindicatos? Os patrões? Muitos deles, claro, mas não têm a desfaçatez de o dizer em público. Nem precisam. Disso encarregaram os seus fiéis serventes do Bloco Central, a dupla que mata e esfola o Estado social.
Há dias, na televisão, dois dirigentes, um do PSD, o outro do PS, mancomunaram a sua pretensão: acabar com o poder negocial dos sindicatos e transferi-los para as comissões de trabalhadores das empresas. Um, advogado de grande escritório, o outro, político encarreirado desde sempre: nunca militaram em sindicatos (credo!), nem sequer conheceram o quotidiano no interior de uma empresa - pelo menos não consta dos seus currículos. Mas têm a solução iluminada e, como já se puseram de acordo, preparemos o lombo que vem aí arrochada certa: os contratos colectivos deixarão obrigatoriamente de ser assinados pelos sindicatos - poderão sê-lo só pelas comissões de trabalhadores. Os sindicatos passam, finalmente, a ficar à porta das empresas.
Não fazem ideia da monstruosidade que preparam. Entregar toda a competência negocial às comissões de trabalhadores será, em muitos casos, acabar com a contratação e, noutros, abrir a boceta de Pandora dos egoísmos, com direitos diferentes para os trabalhadores consoante os anos de casa e restrições a novas admissões, para além de estimular carreirismos oportunistas - e a história conta-nos como antigos membros de comissões da trabalhadores chegaram a ministros na direita ou a grandes líderes patronais...
Não citem o caso da Autoeuropa como exemplo, porque ele não é replicável noutras situações: trata-se de uma empresa jovem, sem diferenças sensíveis de antiguidade, fortemente politizada - e com intervenção sindical permanente. Assim, sim. As comissões de trabalhadores são indispensáveis, desde que existam os sindicatos que possam ter a última palavra, porque aquilo que algum patronato e todo o Bloco Central vêem como obstinação é, muitas vezes, o último fôlego de coragem que ainda resta aos trabalhadores.
Mas de que vale estar para aqui a chamá-los à razão?