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Quando se começou a ver o crescimento da extrema-direita pelo Mundo, o português pensou otimista: "não chega cá". Demorou, quando nos comparamos com a restante Europa, mas essas ideias foram batendo sorrateiramente à porta, até que o que começou por ser um pequeno suspiro se transformou num berro a altos pulmões (os berros poderiam ser apenas uma figura de estilo, mas passaram a literais em pouco tempo). Mas esta demora a chegar é o que me anima, quando olho para as recentes eleições na Austrália e no Canadá, que viraram de forma dramática pelo efeito Trump. Ora vejamos...
Há uns meses, o conservador Pierre Poilievre tinha sondagens que indicavam perto de 30 pontos de avanço relativamente ao partido Liberal, depois de Trudeau ter caído em desgraça de popularidade e abandonado o posto de primeiro-ministro. Para o seu lugar, entrou Mark Carney, sem experiência governativa e preparado para cumprir calendário numas eleições perdidas à partida. Mas a retórica de Donald Trump em relação ao Canadá levou a que Carney se mostrasse seguro e de voz firme contra o vizinho, que gostava de anexar o país como 51.º estado. E o resultado está à vista. O mais titubeante Pierre Poilievre nem sequer foi eleito deputado. Claro que este não terá sido o único problema do conservador, mas será o mais flagrante e o que é mais destacado em todo o Mundo.
Na Austrália, Anthony Albanese conseguiu a reeleição de outra forma. O presidente dos EUA não foi figura presente nos seus discursos e até evitava referir-se a Donald Trump, mas o opositor conservador, Peter Dutton, aproximou-se de um discurso "disruptivo", que soou aos ouvidos dos eleitores como trumpista e inseguro: expulsar imigrantes, cortar 40 mil postos de trabalho na administração pública, cortar impostos mas gastar mais na Defesa. Resultado: nem eleito foi.
Mas então, o que me anima nesta demora? Anima-me pensar que ainda não chega a tempo deste ciclo eleitoral, mas talvez no próximo (quem sabe daqui a quanto tempo será, talvez mais dois anos?) os portugueses comecem a sentir a onda que se inicia agora e percebam que o caminho não é populista, extremista e, menos ainda, xenófobo, ainda que encapotado. Por enquanto, ainda temos referências a "bandalheira" na imigração, campanha com expulsão de imigrantes, um apagamento da celebração do 25 de Abril e até uma referência à "família tradicional", pela mão das "mães de Bragança". Bem sei que o caminho é longo, duro e com muitas curvas traiçoeiras, mas anseio pelo dia em que vou poder pegar na prancha e surfar nesta onda de esperança, que varra o mofo e o ódio do nosso país. Que tarde, mas não falhe.