A saída da crise em que estamos atolados depende, no essencial, de fatores que escapam ao nosso controlo e, nessa medida, a responsabilidade dos nossos governantes pelos resultados das "suas" políticas será proporcionada sempre aos fracos poderes ao seu alcance para influenciar o rumo dos acontecimentos.
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Só assim se pode entender o consenso uníssono criado em torno do acordo com a União Europeia e com o FMI - negociado à pressa e assinado por um governo demissionário com meros poderes de gestão, na véspera de eleições legislativas - e que o seu conteúdo seja tratado no discurso governamental e nos debates parlamentares como se tivesse sido dotado, de facto, de uma validade supraconstitucional.
A sacralização do texto apenas consente a possibilidade de "ligeiros ajustamentos" - e mais não concedeu o primeiro-ministro. "O acordo" não é para renegociar, discutir ou sequer ponderar criticamente. "O acordo" é para ser "cumprido" estritamente, a qualquer custo. A contrapartida deste esforço e boa-vontade reiteradamente assumidos pelos sucessivos governantes portugueses, são os elogios paternais do Conselho, da Comissão e dos governantes alemães e franceses, tão benevolentes e esperançosos agora com Passos Coelho como eram, ainda há bem pouco tempo, com José Sócrates.
Entretanto, até ao fim do ano de 2011, dos últimos três governos socialistas na união monetária, não restará provavelmente um único: o português e o grego já caíram e, muito previsivelmente, cairá também o espanhol ainda este ano. Até a pantomina "berlusconiana" parece ter chegado, na Itália, ao seu último acto!
Os custos da crise da moeda única europeia continuam, portanto, a ser pagos pelos povos dos países mais frágeis que, por força da adesão à moeda única, se encontram manietados pelos insuficientes instrumentos financeiros europeus e pelas doutrinas económicas em moda na Europa central, sem alternativa para desenhar políticas autónomas adequadas à sua situação que, combatendo o défice, conseguissem simultaneamente minimizar os efeitos recessivos de uma contenção financeira brutal que, como se tem visto, cria uma instabilidade política crónica e que já ameaça a democracia e o funcionamento da representação democrática nesses países, pelos desmesurados sacrifícios que implica e pela supressão de expectativas razoáveis de mudança, balizadas por horizontes temporais antecipáveis.
Neste sentido, é legítimo afirmar que as chamadas "dívidas soberanas", auto-alimentadas pelos juros induzidos pelas manobras especulativas da "agiotagem" internacional, não são mais do que a invenção de um directório europeu sem qualquer mandato nem legitimidade, que age por negligência ou inação dos órgãos próprios da União e segundo uma cartilha económica de ostensiva inspiração ideológica. Ao mesmo tempo, à inevitabilidade dos sacrifícios, outros vão associando a Inevitabilidade de uma europa a duas velocidades, ora insinuada ou ora desmentida, conforme as circunstâncias, - ameaça de um retrocesso que apenas seria viável ao custo incalculável da destruição da própria União Europeia.
É falso o dilema que nos colocam: cumprir o acordo ou exigir a renegociação da dívida. Porque, evidentemente, não há alternativa ao cumprimento dos compromissos assumidos mas também não existem acordos que sejam eternos. O que não é aceitável é pretender que o cumprimento do acordo com a troika esgota todas as alternativas políticas, inibe a procura de caminhos diferentes ou precludiu quaisquer rasgos imaginativos que possam transformar os riscos presentes em virtuais oportunidades, por exemplo, empreendendo uma ambiciosa reforma da administração e do Estado, como se prometeu e bem precisa. É o pluralismo político que gera as alternativas democráticas. Ao contrário do que possam fazer crer, a política não acabou com a assinatura do "memorando".