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Para o Dicionário Oxford a palavra do ano para 2014 já está escolhida. A seleção tem por base uma utilização subitamente muito frequente do vocábulo em causa. Pelos vistos, segundo o grupo de editores do prestigiado dicionário, VAPE mereceu o galardão. Trata-se de um vocábulo que designa, na sua forma nominal, "o cigarro eletrónico" enquanto na sua forma verbal significa "o ato de inalar e exalar o vapor do mesmo aparelho". Ou seja, porque as línguas são como a natureza e têm horror ao vazio, foi preciso "tapar o buraco" deixado por um cigarro que já não o é e por um vício ou prazer que se vaporizou.
Entre nós, o concurso é gerido pela Porto Editora e estará aberto até ao último segundo de 2014. A lista final inclui "banco", "basqueiro", "cibervadiagem", "corrupção", "ébola", "legionela", "gamificação", "jihadismo", "selfie" e "xurdir".
Confesso que me parecem todas relativamente violentas ou recentemente desclassificadas mas só me surpreendeu a última, e no entanto, é talvez a que faz mais sentido.
Pelos vistos, "xurdir" quer dizer "mourejar", "lutar pela vida".
Não sei se será a palavra mais procurada e mais usada. Tenho, sim, a certeza que será o destino mais certo. 2014 não trouxe ainda o fim das dificuldades e 2015 dará azo a que usemos todas as palavras que estão disponíveis e que nos guiarão num "xurdir" ainda muito esforçado.
A gente põe-se a pensar e pergunta-se:
- Desde logo, e como dizia o "Financial Times" faz hoje uma semana, se o FMI, o BCE e a EU andaram por cá três anos, esmiuçaram tudo e todos e não deram pelo caso do BES, como é que podemos ter a certeza que a fórmula que nos impuseram, para abordar as nossas dificuldades estruturais, é a correta?
- Claro que já estão a tentar sacudir a água do capote e vêm dizendo que o Governo, desde que de cá saíram, abrandou as reformas; estão a falar exatamente do quê? o melhor que se pode dizer das várias reformas encetadas é que estão, precisamente, em curso; outra coisa é dizer que nada disto vai lá com as ditas reformas e só cortes no rendimento ou aumento da carga fiscal, de facto, dá resultado. Mas isto, em véspera de eleições, quem vai dizer?
- E a seguir a gente pensa: se poucos saberão e ninguém diz o que de facto poderá ser feito para melhorar a nossa vida coletiva, então que dose de factualidade terá o discurso partidário neste ano eleitoral que vai começar? Como e com que base vamos escolher quem nos governará?
- Deixemo-nos de partidos e olhemos para as nossas empresas e organizações! Não ajuda. O que antes era verdade, agora é mentira e para o ano, não sabemos. Os centros de decisão, conhecimento e inovação empresarial que até há pouco dávamos como garantidos, estão, no mínimo, muito desvalorizados. Repare-se que já há quem diga que agora é que vai ser, porque os grupos económicos que nos dominavam vão, finalmente, libertar os talentos sucessivamente capturados que agora, noutras mãos, poderão finalmente dar o seu contributo para o desenvolvimento do país!
- Se nesta fase já nos faltam as palavras para pensar seja o que for (nem para pensar as podemos dispensar) ainda temos de enfrentar o transe da intermediação mediática que, a partir de vários suportes, nos vai atualizando. A julgar pela forma como vampiriza o segredo de justiça, o acesso a espaços de acareação parlamentar ou as imagens obtidas pelo buraco da fechadura, vai continuar a deixar-nos muito pobres e muito longe da informação.
E por aí afora que as aflições não param e o pensamento não se corta pela raiz, como canta o poeta.
O "Financial Times", na referida separata sobre Portugal, termina como quem suspira, dizendo que Portugal continuará o caminho de moderação política (quer dizer bloco central em alternância) que iniciou há 40 anos.
Melhor seria, no entanto, se bulíssemos um bocado, sacudíssemos de vez o politicamente correto e para além de "xurdir" , com todas as nossas forças fizéssemos por escolher a palavra CONFIANÇA como a palavra que mais nos lembrou, inspirou e motivou, por ação própria ou alheia, singular ou coletiva, durante todo o ano de 2015 que aí vem.