Nunca mais me esqueci de uma apresentadora de televisão que em conversa com um convidado exclamou: "Que horror! Não me fale de regionalização que fico logo maldisposta". A frase instintiva, dita com entoação de "tia" de Cascais, cristalizou para mim a reação que muita gente tem sempre que o tema versa a reorganização do Estado com a criação, prevista na Constituição, de uma estrutura de poder intermédia entre o Governo central e os municípios.
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De pouco adianta recordar que Portugal persiste como um dos países mais centralizados da Europa, ou que o princípio da subsidiariedade - a tomada de decisões tão próximas quanto possível do cidadão - é um dos vetores de governação da União. O assunto tem má imprensa em Lisboa e a maior parte dos políticos recusa ter uma discussão razoável sobre o assunto, mesmo que pressionados pela necessidade de reforma do Estado.
Bem pode o presidente da Câmara de Viseu, Almeida Henriques, lembrar em crónica que "87% da despesa pública está centralizada, assim como a esmagadora parte do monstro da dívida pública", cabendo aos municípios a responsabilidade somente por 2,5% desta dívida. Bem pode porque do lado do seu partido, do PSD, o silêncio sobre o assunto é quem mais ordena.
E, no entanto, foram notáveis do PSD que vieram este fim de semana defender a regionalização, num seminário organizado pela Federação Distrital do Porto do PS, que teve o condão de fazer ouvir de novo a palavra proibida. Rui Rio considerou que a "regionalização podia ser talvez o maior abanão para alterar o sistema político" atual, enquanto Silva Peneda referiu que o desafio passa por "demonstrar que podemos ter com a regionalização um Estado mais barato e mais eficiente".
Na plateia, estava António Costa, que diz ter aprendido com a experiência de autarca e promete, se chegar a Governo, avançar, não com a palavra proibida, mas com uma "descentralização". Se calhar, já não seria mau, mas aqueles que, fora da capital, estão fartos de esperar pela regionalização sabem bem que o mais provável é que, como os seus antecessores, aquele que chegue a ser primeiro-ministro rapidamente passe, como a apresentadora, a exclamar: "Que horror!".