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São cíclicos os movimentos (cândidos) no espetro político da Esquerda em busca de uma unidade impossível. A existência de vários ADN históricos, todos eles marcados por inflexibilidade de posições e ambição hegemónica de umas esquerdas sobre outras esquerdas, inviabilizam quaisquer movimentos de unificação sob o rótulo das boas intenções.
Toda a experiência pós-25 de Abril é reveladora da incapacidade da Esquerda se entender e cooperar entre si para chegar à governação do país. À exceção da coligação PS-CDU obtida por Jorge Sampaio para a conquista da Câmara Municipal de Lisboa em 1993, todos os movimentos de aproximação redundaram em fracassos.
A fratura e o desentendimento da Esquerda têm naturais consequências. Mais dialogante e como tal menos autofágica, a Direita esfrega as mãos de contente e tende a dispor de mais condições para ocupar o Poder; à Esquerda somam-se as dificuldades para a obtenção de maiorias de um só partido, apenas possíveis de alcançar pelo PS, mas sempre em condições sofridas. Mesmo quando as sondagens revelam maiorias no somatório das tendências de voto nos vários partidos de Esquerda, é garantida a impossibilidade de formação de um governo. As suspeitas de "canibalismo" e a imposição de condições antagónicas deitam por terra toda e qualquer aproximação.
É possível equacionar uma reviravolta e admitir uma convergência das esquerdas capaz de chegar ao ponto de se construir uma plataforma de governo?
Não falta quem ensaie aproximações - mas todas condenadas ao fracasso, sempre e quando se trata de passar da teoria à prática.
Fresca está na memória a inconsequência do agrupamento de três mil indefetíveis na Aula Magna, em maio do ano passado, em torno de um Manifesto da Esquerda Livre. Tudo ficou resumido a fogachos (coloridos) de ocasião.
A reincidência é, apesar de tudo, uma fórmula apreciada - embora já se conheça o resultado final.
A mais recente iniciativa deve ser lida à luz desse enquadramento - mas não só.
Liberdade. Esquerda. Europa. Ecologia. Um cardápio assim tem o seu quê de atratividade. O bastante para que o eurodeputado Rui Tavares, independente eleito pelo Bloco de Esquerda, o tenha consagrado na decisão de avançar com a constituição de um novo partido e para a apresentação do qual contou com outros "esquinados" do BE - como José Sá Fernandes ou Joana Amaral Dias.
LIVRE é o nome do novo projeto, em princípio para redundar já na ida às urnas nas próximas eleições europeias, e para o qual está pensado um (ecológico?) símbolo: uma papoila.
Se alguma dúvida ainda existisse, é de todo eloquente o posicionamento propósito de Rui Tavares - e dos "compagnons de route" de que se rodeará: "no meio da Esquerda".
A candura terá, enfim, um destino traçado: inconsequência. O silêncio estratégico (e sábio) do PCP é paradigmático e uns descontentes empertigados do PS não bastam para construir um pedaço de alternativa à Esquerda. Quando muito, mais ameaçado de extinção ficará o BE.
