Original: Portugal está entregue a um primeiro-ministro queixinhas. Talhado para a frieza dos números macroeconómicos, houve um tempo no qual Pedro Passos Coelho adjetivou os portugueses de piegas. Agora não. Agora faz um choradinho público fundamentado na generalização das críticas ao seu governo, considerando ele não haver quem seja capaz - tirando, presume-se, Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa nas habituais homilias televisivas... - de descortinar algo de positivo em ano e meio de promessas de ajustamento e retoma...
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Em pura tradução comportamental, o primeiro-ministro está carente. Todos lhe batem, todos denunciam à vista desarmada o valente queijo suíço em que se transformaram as previsões do Governo a todos os níveis, da taxa de desemprego às receitas fiscais. Mesmo o alegado sucesso da balança de transações é alvo da denúncia de se ficar a dever à brutal quebra do consumo interno. Irra!
Será difícil, mas não é desajustado fazer-se uma tentativa de estímulo astral do primeiro-ministro.
Ela aí vai, pois.
O chefe do Executivo terá o pecado mortal de ter sido eleito segundo um programa entretanto traído a cem por cento - em tudo uma fotocópia dos seus antecessores. Pois. Mas descontando esse "pormaior" e a caturrice total no alinhamento silencioso pelo programa imposto pelos credores do país, Passos Coelho denota nos últimos tempos uma coragem incomum.
O mais simples seria fazer um discurso mentiroso, encapotando os problemas, silenciando projetos de empobrecimento nacional. Ora Passos Coelho tem feito precisamente o contrário. Para lá de ter construído para 2013 o Orçamento do Estado mais castigador dos portugueses em democracia, o primeiro-ministro tem balizado o seu discurso de bem comportado pela ideia global de o reequilíbrio das contas públicas exigir cortes profundos no monstro do Estado, seja pela diminuição próxima de quatro mil milhões nas despesas públicas, seja por uma agenda de outro tipo de emagrecimentos - também ideológicos. E quando o chefe do Executivo revela querer modificar, reduzindo, o papel do Estado ao nível da Educação ou da Saúde, por exemplo, poderá ser catalogado de tudo menos de populista.
Os ouvidos dos portugueses apreciam música celestial; são, até, especialistas em atirar os problemas para debaixo do tapete. Passos Coelho está a fazer o contrário, apertando mais e mais o cinto a cada um de nós, embora lhe falte coragem para o combate a algumas mordomias, incluindo as dos aparelhos partidários do chamado arco da governação.
Não está ao alcance de qualquer um dispor da coragem de agir para ficar na história segundo uma de duas valências: pela restauração de princípios e de bem-estar coletivos ou pela atração kamikaze.
É só uma suspeita: Passos Coelho está mais perto da imolação pública sem dó nem piedade do que de servir de modelo de estadista a uma estátua. Seja qual for o resultado, cabe-lhe o mérito de não prometer poços de petróleo aos portugueses - e foi assim que outros levaram o país à bancarrota, alguns deles subscrevendo agora cartas abertas de faz-de-conta...