É uma verdade inconveniente que Portugal insiste em ignorar: o lugar onde nascemos e crescemos continua a determinar, com uma precisão assustadora, quanto tempo vivemos. A taxa de mortalidade chega a duplicar entre concelhos. É um retrato cruel de um país a duas velocidades, onde a pobreza é a doença mais mortífera.
Saber que um habitante de Barrancos (Beja) tem um risco de morte padronizado de 21,9 enquanto alguém em Braga fica pelos 9,4 devia ser um choque nacional.
Açores, Madeira, Alentejo e Algarve acumulam o maior risco de morte precoce. Não apenas pela distância aos hospitais ou falta de médicos, embora também sejam determinantes, mas por algo mais profundo: a privação. Privação de rendimentos baixos, habitação precária e baixos níveis de escolaridade. Tudo isto molda estilos de vida, aumenta a prevalência de doenças e dita quem tem dinheiro para uma consulta privada quando o público falha.
Orgulhamo-nos do nosso SNS "universal", mas um SNS, por si só, não consegue apagar décadas de desigualdade social. O médico trata a pneumonia, mas não cura a casa húmida que a provocou. O SNS é um escudo importante, mas está a ser trespassado pela lança afiada da pobreza.
Estes números são um "alerta vermelho" de que o Estado social está a falhar na sua missão: garantir que o valor da vida humana não depende da sorte geográfica. Reduzir a mortalidade precoce não se faz apenas com mais hospitais: faz-se, essencialmente, com mais justiça social e investimento, nomeadamente, na educação. Enquanto a pobreza ditar a saúde, o nosso desenvolvimento será sempre uma ilusão.

