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Uga. Havia uma porta blindada no alto de um prédio da Reboleira, mas a porta não era usada para proteger quem lá vivia dos criminosos. Servia aos criminosos para se protegerem da polícia, não há como um uso inesperado para entrarmos na tragicomédia.
Então, um dia a polícia atravessou a porta blindada e prendeu quem estava do outro lado, mas não foi à força, foi pela astúcia, e poucas vezes ouvi um polícia tão feliz como o guarda Alfredo a contar a sua aventura na Reboleira. A patrulha de dois guardas à paisana estava na rua a vigiar uma “banca de droga”, naquele prédio havia tráfico. Viram o senhor João, que era um dos vigias, viram o senhor Paulo, “que era responsável pelas transacções”, e a senhora Ana, que andava de um lado para o outro “a controlar”. Os clientes chegavam, uns a pé, outros de táxi.
– Algumas pessoas dirigiam-se ao senhor João e ele apontava um ponto do lote, elas dirigiam-se lá e havia as transacções.
Nós achámos esquisito porque o Paulo recebia o dinheiro, desaparecia durante um minuto ou dois, voltava com o produto e o cliente ia embora. E nós deduzimos: a droga não está com ele, está escondida em algum sítio. E então passou a fazer sentido aquela situação da porta blindada.
A procuradora lembrou que os moradores do prédio é que denunciaram à polícia o aparecimento da porta.
– Sim. Eu tinha chamado uma equipa de intervenção rápida, mas esta ainda não chegara e decidimos avançar sozinhos para o prédio. O Paulo quando olhou para mim gritou “uga!”
– Uga?
– É a palavra que eles usam para os elementos policiais. A Ana pôs-se em fuga, mas apanhámo-la.
Chegou a equipa de intervenção rápida, que ficou a tomar conta dos detidos. Agora é que chega a parte da astúcia.
– Quando chegámos ao último piso eu, sinceramente, nunca tinha visto uma porta assim. Feita à medida, pesadíssima, em ferro, com um postigo. E eu digo ao meu colega: nunca vamos conseguir abrir isto. E então começámos a fazer bluff.
A porta estava no acesso à casa das máquinas. Nestes prédios, os traficantes começam por rebentar os elevadores, não há elevadores para ninguém, pois é pela caixa aberta dos elevadores que os traficantes se livram da droga se chega a polícia.
– Começámos a dar marretadas na porta com força e a nossa sorte é que o senhor que lá estava dentro ficou com tanto medo de que nós íamos entrar – e nós nunca iríamos entrar – achou que íamos rebentar a porta... só ouvíamos ferrolhos a correr. Nesse dia tivemos sorte em quase tudo.
O homem, disse o guarda Alfredo, “estava tão atrapalhado” que atirou a droga e dinheiro enrolados num gorro, só que este ficou ali mesmo à entrada do poço do elevador, preso num ferro e ao alcance da mão.
É claro, como admitiu honradamente o guarda, que os verdadeiros traficantes, os chefões da rede, não foram presos, só estes quatro desgraçados, todos metidos na venda de droga só para se poderem drogar mais. Uga, uga.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia