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A Praia dos Tomates, no Algarve, é um sítio em que muita gente fala com muita gente. Rodeada de pó e de falésia, a praia tem vozes de pessoas no mar e vozes de mar nas pessoas. Durante o Verão português, qualquer praia é assunto de gente feita em conversa e mar - e aqui igual: assunto de toldos alugados, de jet skis distantes, atrás dos quais vai o berro de quem guia, da avioneta que publicita em fitas longas as noites do Lick e do Bliss e do Cuá Cuá, onde se passam coisas que eu não sei a horas que eu não conheço, mas também assunto de descanso mais arenoso, da sesta que nos desfaz em grãos e quase nos dá ao mar - e, já agora, a praia é assunto de pôr-do-sol. Que se saiba, o sol nunca deixou de se pôr na Praia dos Tomates.
Mas além dos mergulhos e das amizades e das crianças que tarzaneiam por onde querem, excepto quando as obrigam a dar o beijinho àqueles tios, a praia é algo entre a gente e o livro. Aqui lê-se, pessoa sim, pessoa não.
Eu também sou pessoa e também leio. Quanto mais leio, mais sou pessoa. Mas, por vezes, sou como o louco da palestra, aquele sujeito inquisitivo, entre o esperto e o parvo, cujas perguntas ora chateiam ora espantam.
Desta vez, passeei pela Praia dos Tomates para conversar com quem lia. “Desculpe incomodar.” Os olhos saíam do livro e ficavam em mim até eu explicar a causa da interrupção. “É que eu escrevo crónicas para um jornal e gostava de saber o que o levou a esse livro. O livro em si mesmo não é importante. Interessa o motivo da escolha.”
Isto tem uma explicação: não se leva para a praia qualquer pessoa nem qualquer livro. É uma escolha íntima. Só nos deitamos lado a lado na areia com família e amigos. Queremos ir de férias em boa companhia de pessoas e em boa companhia de livros.
Encontrei livros desde “A Rapariga que Mataste”, de Leslie Wolfe, a “As Velas Ardem até ao Fim”, de Sándor Márai. Os leitores de praia chegaram até eles por dois motivos principais: a excepção e a regra.
O primeiro motivo de leitura, a excepção - pessoas que não lêem durante o ano -, está perfeitamente de acordo com a ideia de férias. Lêem como passatempo, lêem como quem mergulha: diverte, entretém e refresca. Acontece que o segundo motivo de leitura, a regra - pessoas que lêem durante o ano -, também está perfeitamente de acordo com a ideia de férias. Lêem como ganha tempo, lêem como quem mergulha: desafia, exercita e aquece.
Eu vou lendo como uns e outros, vou ficando entre as páginas e os mergulhos. E enquanto leio, descansem os outros leitores da Praia dos Tomates, não os incomodo com perguntas indiscretas.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)