Era um homem de olhar afável, vestido impecavelmente de negro, como um avô que regressasse do funeral de um ente querido. Hans Tietmeyer, um dos mais respeitados economistas alemães, presidente do Banco Federal, tinha vindo a Lisboa explicar o que, pouco mais tarde (em 1997), viria a ser o "Pacto de Estabilidade", fundador e garante do lançamento do euro (que se deu entre 1999 e 2002).
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Argumentava que o acordo servia um fim último: a responsabilidade dos estados face aos eleitores, perante a gestão do dinheiro público. Correspondia a uma necessidade de convergência das economias e das finanças dos membros. Traduzia um anseio por racionalidade, prudência e transparência, orçamental e fiscal. E basear-se-ia na própria letra do Tratado Europeu original, e em especial nos seus artigos 99 e 104.
Os critérios do pacto tornar-se-iam conhecidos. Em cada ano fiscal, a dívida pública de um estado não deveria exceder 60% do Produto Interno Bruto (PIB). Por outro lado, o défice anual nas contas públicas não deveria ir além de 3% do mesmo PIB.
Na ideia dos arquitectos, os países em falta seriam avisados, teriam hipótese de contraditório, e aplicar-se-iam sanções, ao fim de um prazo "razoável".
Um dos selectos convivas arriscou a pergunta: "E se as multas punitivas não resultarem?". O banqueiro alemão tirou os óculos, limpou as lentes, e disse lentamente: "Acho que haverá medidas mais duras".
"A expulsão da Zona Euro?".
"Por exemplo", foi a resposta seca.
Tietmeyer foi confrontado com as críticas conhecidas: uns achavam o plano duríssimo, expropriador de medidas soberanas de emergência face a crises sociais. Os ultraliberais, inversamente, viam ainda demasiada "flexibilidade". Por outro lado, argumentava-se que o défice não era o único sinal de saúde, ou doença, de uma economia. Então e os preços? E o emprego? E o crescimento? E os salários? E a qualificação?
Por fim, havia quem defendesse que a proibição anual fosse substituída por uma noção de "ciclo". Só no fim deste se deviam julgar os pecadores.
Tietmeyer ia tomando nota, mas cortou cerce a discussão potencial:"O que interessa é estarmos de acordo quanto ao princípio".
Era, obviamente, o ponto de vista alemão. Mas todos sabiam que estava no coração do projecto da "Eurozona".
Olho para estes dias como um filme a preto e branco. Feito na Pré-História.
Ou será o futuro?