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O instituto jurídico da prescrição de crimes não é uma imposição constitucional. Todavia, o legislador ordinário, acompanhando a posição assumida no Código Penal de 1886 e na esteira da doutrina pacífica, contemplou no actual CP diversos prazos de prescrição, consoante a gravidade dos crimes. Este entendimento tem a sua fundamentação no facto de, decorrido longo prazo desde a prática do crime até à decisão condenatória transitada, se entender que o Estado, munido do seu poder punitivo, não foi eficiente e eficaz na sua capacidade de punir o criminoso, desinteressando-se de, em tempo útil, alcançar aquele objectivo. Por outro lado, desaparece a justificação para aplicação de uma pena, atentos os fins desta, a necessidade de prevenção geral e especial. Acresce o facto de o decurso de tal longo lapso de tempo aumentar drasticamente a probabilidade de erro judiciário, ou a impossibilidade de repor a verdade material, pelo natural enfraquecimento da prova testemunhal por dificuldades ou lapsos de memória. A aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do criminoso na sociedade, sendo que a sua determinação concreta tem de ser feita em função da culpa e das exigências da prevenção. Estas finalidades deixam de ter suporte se, como se referiu, for demasiado extenso, anos a fio, o período de tempo decorrido entre a data dos factos criminosos e o trânsito da respectiva decisão judicial. Este tema vem a propósito do Processo Marquês, de cuja acusação constam ilícitos criminais, alguns dos quais, diz-se, estarão à beira da prescrição, concretamente em 2024. José Sócrates foi acusado pela prática de crimes de natureza económico-financeira e afins. Deles relevam os de corrupção passiva e de recebimento indevido de vantagem. O CP prevê regimes especiais de prescrição. Para estes casos, o prazo passou a ser de 15 anos, desde 2/9/2010. Importa, então, a data da prática desses factos, porquanto se for anterior àquela, por força do princípio da não retroactividade da lei mais desfavorável, o prazo será de 10 anos. A estes prazos acrescem mais 7 anos e 6 meses ou 5 anos, por força da norma atinente à interrupção do prazo de prescrição, que sucedeu. Em síntese, se os crimes imputados ocorreram após 2/9/2010, o prazo total da prescrição será de 22 anos e 6 meses. Se for anterior, será de 15 anos. Aparentemente, não haveria inquietação quanto a uma possível prescrição nos tempos próximos. Porém, a jurisprudência não é unânime quanto à data da consumação do crime de corrupção passiva: a tese que defende que o prazo se inicia aquando da promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial; a que entende que aquele prazo se inicia com o recebimento pelo arguido da referida vantagem. Neste caso, não se coloca a questão da prescrição. Naquele outro, haverá que recuar à data em que o arguido aceitou a promessa de vantagem. Nesta hipótese, poderá colocar-se a questão da prescrição em tempos próximos.
a autora escreve segundo a antiga ortografia
Ex-Diretora do dciap