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Já poucos recordarão mas, em outubro do ano passado, uma sondagem da Universidade Católica para o JN atribuía uma intenção de voto de 45% para o PS. Um resultado que, a ser conseguido em dia de eleições, daria maioria absoluta. Estamos a pouco mais de três semanas das legislativas, e o cenário então traçado parece quase surreal. Não porque a sondagem estivesse errada, mas porque a opinião dos portugueses mudou. E foi aliás a Católica a primeira a detetar, sete meses depois, a inversão da tendência (confirmada nos últimos dias por outras sondagens): em junho passado, o PS e António Costa sofriam já um desgaste assinalável, perdendo a liderança para a coligação Portugal à Frente (PSD/CDS): 37% contra 38%.
E assim se chega ao cenário atual, que o debate entre António Costa e Pedro Passos Coelho não serviu para desempatar. Uma eleição que parecia entregue de antemão aos socialistas, será afinal disputada até ao último voto. O Governo que aplicou a maior dose de austeridade que alguma vez se abateu sobre o povo português; o Governo que aumentou os impostos de forma brutal e que o reconheceu nestes exatos termos; o Governo que nos empobreceu como nunca e que assumiu que era essa a sua estratégia; o Governo que provocou uma escalada de desemprego e de emigração dramáticas; um Governo que todos, incluindo os próprios, previam condenado a uma derrota eleitoral, parece ser agora o favorito.
Alguma coisa correu muito mal a António Costa. É verdade que existe pelo meio o folhetim José Sócrates e que o ex-primeiro-ministro não é, ao contrário do que julga, um trunfo eleitoral, antes um ativo tóxico tau mau como o papel comercial do BES. Mas isso não chega para explicar o anunciado (mas ainda não confirmado) desastre socialista.
Ainda assim, e se o cenário se confirmar (as semanas que faltam são mais do que suficientes para que tudo se inverta), não será apenas o PS a enfrentar um impasse. A vida não se anuncia fácil para a coligação de Direita. O que fazer com uma vitória, quando o maior partido no Parlamento pode ser o PS? E quando tudo aponta para uma maioria clara de Esquerda?
Com as eleições presidenciais pelo meio e a impossibilidade de dissolver o Parlamento, algum Governo terá de passar pelo crivo. Se for de Direita, cairá à primeira oportunidade para uma moção de censura. Se for liderado por um PS perdedor e provavelmente em crise de liderança, nascerá torto e sem hipótese de se endireitar. Em qualquer dos casos, as próximas eleições arriscam-se a ser uma espécie de primeira volta, à espera de uma segunda lá mais para a primavera. Ou isso, ou um Bloco Central.