<p>Como sabeis, senhora, todos os poderes que se exerceram sobre o homem, foram, ou são, principados ou repúblicas. Falarei só destas, por serem hoje as mais comuns, e por que tal é o regime que está. Não prevejo, senhora, à míngua de grande tragédia, nem interrupção do mesmo, nem férias na sua lei, nem diminuição da ânsia eterna de liberdade dos súbditos. </p>
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Estes deveriam aliás ser, como ouso lembrar-vos, os vossos senhores. Melhor do que eu, percebeis que deveis segui-los, quando vos seguem. Que deveis ouvi-los, quando vos ouvem. Que deveis representá-los, quando não estão presentes.
Começando pelas qualidades da liderança, importa tornar claro o que decisivamente interessa, apesar das fraquezas humanas, da fortuna, ou dos eventos produzidos por outros.
Saber se devereis ser celebrada pela clemência ou pela crueldade, é, fora do principado, um falso problema. Vosso poder é-vos emprestado, e nem deveis favores, nem eles vos são devidos. Não sereis déspota benevolente, porque não quereis e porque não podeis.
Vosso governo é de leis, não de homens. A maior virtude parece assim ser a compreensão exacta das regras do grande jogo que travais. Outros chamaram, ou chamarão a isto, "realismo de competência".
Procedei, claro, com prudência e humanidade, com sentido comum e conhecimento dos limites do vosso poder, do vosso estado e da vossa comunidade. Mas não mateis uma visão que, mesmo indo muito além desses limites, incarna o permanente e virtuoso objectivo do melhoramento da vossa pátria. A tristeza do presente não pode constituir a vossa bandeira, antes devendo ela ser a glória do vosso povo futuro. Não maldizeis constantemente a herança do passado, como fúria ou desculpa: eliminai o mal, melhorai o medíocre, criai o bem.
Como disse um grande condutor e conduzido, morto antes da hora, fazei o fundamental, não porque é fácil, mas porque é difícil.
Face a rivais que sabem o que querem, mas não sabem para onde vão, frente a outros que sabem onde vão, mas não sabem o que querem, e outros ainda que não sabem nem uma coisa nem outra, devereis anunciar um caminho.
Mas um caminho que seja aquele que serve um projecto. E um projecto que seja o que serve uma promessa. E uma promessa que cumpra um estudo. E um estudo que, sem certezas nem fés que a ciência arreda, constitua um exemplo claro de rigor.
Em verdade vos digo: se vos perguntarem se é melhor seres amada ou temida, respondei que preferis ser respeitada por vosso rigor. Todos os outros padrões vos são sugeridos por conselheiros apressados.
No fim, pergunto-vos se o vosso rol de colaboradores seguiu todas as regras que havíeis anunciado, sabendo que o príncipe deve ser coerente, mesmo sendo corrente.
Na ciência clássica da política, nos últimos 70 anos, e pelo menos desde mestres Lasswell e Rogow, ou de ainda mais longínquos florentinos e estagiritas, discute-se se a corrupção é o que viola a lei da cidade, se é por outra o que se desvia do interesse comum, ou se é antes o que o público censura e condena.
Tereis, como qualidade última, de compreender o ponto exacto em que lei, interesse e público se entroncam. Não podeis aceitar como companheiro de projecto, nesta fase, e sem que isso o desqualifique como ser humano, quem, na confluência desses três mundos, apareça amputado de qualidade cívica.
Mas se entendeis que tal abismo não se formou, segui em frente. Sereis mais julgada pelo que realizares, do que pelo que não fizeste.