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A medida de coacção prisão preventiva voltou a ser notícia recorrente na Imprensa escrita e falada, nos últimos tempos. Não, de modo global, relativamente a todos os processos em que a mesma é promovida pelo MP e decidida, em conformidade pelo JIC, mas apenas no que tange aos casos mais recentes, de grande impacto político e social. Mas a problemática da prisão preventiva é transversal, coloca-se em todos os casos em que os indícios integram quaisquer dos crimes elencados no art.o 202 do CPP, seja o suspeito um cidadão anónimo, seja um chamado colarinho branco. Em minha opinião, recorre-se em excesso ao uso desta medida, sem atentar à excepcionalidade da sua aplicação, a mais gravosa e intrusiva na liberdade do cidadão, mesmo que suspeito da prática de crime grave. Há que reflectir sobre o espírito e a vontade do legislador, ponderar as razões e objectivos que o levaram a consagrar vários tipos de medidas de coacção e respectivas circunstâncias e exigências para a sua aplicação. É fundamental perspectivar essa vontade do legislador, quando empreendeu a complexa e difícil tarefa de uma “revisão sistemática e global do ordenamento processual penal”, de 1929. Na exposição de motivos do atual CPP, pode ler-se: “...o código submete todas estas medidas [de coacção] aos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da necessidade. Por outro lado, alarga o respectivo espectro...…Este alargamento permite uma maior maleabilidade na escolha das soluções concretamente aplicáveis...… mas permite, acima de tudo, a realização efectiva do princípio constitucional da subsidiariedade da prisão preventiva...”. Em cumprimento deste desiderato, o legislador exarou os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade como condicionantes da aplicação de quaisquer medidas de coacção, à excepção do termo de identidade e residência, bem como a exigência de só poderem ser aplicadas nos casos taxativamente nele previstos. A de prisão preventiva só tem espaço de aplicação se outra qualquer medida se mostrar inadequada ou insuficiente. Nos casos de investigação complexa e morosa, relativa a crimes cometidos há já algum tempo, alguns anos, à excepção do crime de organização criminosa ou outro que imponha a continuação do crime, ou crime continuado, não se vislumbra ou se percepciona necessidade de prisões preventivas. Estas condicionam o tempo e a profundidade das investigações, os prazos são, nestes casos, peremptórios e acabam por não servir os objectivos por que foram determinadas, pois que, normalmente, os arguidos são colocados em liberdade provisória muito antes de finda a investigação. Há que atentar na excepcionalidade da aplicação desta medida e, sobretudo, na imposição das normas da CRP que determinam ser a liberdade, ainda que provisória, um dos direitos humanos inerentes aos arguidos em processos-crime.
A autora escreve segundo a antiga ortografia