A discussão em redor da flexibilização do despedimento prova por que Portugal está no último lugar quanto à rigidez do mercado de trabalho e por que se multiplicam os recibos verdes ou contratos a prazo. O Governo propõe que o trabalhador possa ser despedido caso não cumpra os objectivos de "produtividade" estabelecidos pela empresa. Uma mistificação. O que está realmente em causa? Os patrões querem de facto abolir a "justa causa" e os sindicatos não querem mexer no assunto. Infelizmente, se vingar o conceito vago da "produtividade" com que se quer mascarar o assunto, julgo que ninguém ficará seguro e volta a colocar-se tudo nas mãos dos tribunais. Que nunca se sabe como interpretam a lei.
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Esta necessidade de acabar com o "direito ao emprego para a vida inteira" não veio do céu, nem é uma maldade dos políticos. A verdade é que nós, enquanto consumidores, queremos preços baixos. Nós, enquanto trabalhadores, defendemos o maior número de direitos imagináveis. Não é possível. Por isso há tanto desemprego em Portugal e na Europa.
Isto gera consequências. Por isso defendo que as empresas deveriam poder despedir pessoas com as quais não contam para o seu futuro - sejam as razões justas ou meramente circunstanciais. Mas deviam indemnizá-las convenientemente. Não faz é qualquer sentido ter trabalhadores que não se enquadram na cultura da empresa ainda que entrem e saiam escrupulosamente no horário, não faltem, etc... Mais: esta mudança também seria positiva para o trabalhador, que teria uma indemnização, subsídio de desemprego e a possibilidade de ser mais eficiente e feliz noutro local. A maioria dos desempregados vão encontrar novos rumos, novas saídas, não estão condenados a nunca mais entrarem no mercado de trabalho só porque foram despedidos.
Em contraponto, é igualmente necessário acrescentar que há patrões e empresas de uma enorme prepotência. Por isso, desde que os valores de indemnização sejam justos, o trabalhador também deveria poder sair por sua iniciativa e essa opção deveria salvaguardar o direito a subsídio de desemprego (embora por um período mais curto - por exemplo, seis meses). Pessoas com boas qualidades profissionais não ficam muito tempo em más empresas, e empresas que não têm bom ambiente, equipas motivadas e qualificadas acabam por falhar.
Também não me parece que a esmagadora maioria das empresas coloquem fasquias de produtividade impossíveis de atingir só para esmagar os seus colaboradores, na ânsia do lucro. Será que no resto da Europa, onde existem critérios de produtividade e maior flexibilidade no despedimento, a economia não funciona? Os patrões portugueses são muito piores que os outros?
Há ainda um ponto perigoso na actual conjuntura: a possibilidade das empresas aproveitarem a nova legislação laboral e conjugarem a facilidade em despedir com a diminuição dos valores de indemnização. Isto não devia ser permitido em simultâneo porque significa retirar retroactivamente direitos a trabalhadores (com 20 ou 30 anos de "casa") que ficam numa posição muito frágil. Despedir pessoas de 50 anos sem, pelo menos, a indemnização que actualmente existe, é condenar muitas destas pessoas à pobreza porque a reforma só chega aos 60 e muitos e empregos, até lá, não são fáceis de encontrar.
Acrescente-se mais um ponto controverso: uma vaga de despedimentos, por força da nova lei, seria capaz de fomentar a rotação etária das empresas e gerar empregos para os jovens desempregados mais qualificados. Na prática seria trocar os "pais" pelos "filhos". O que acha disto a "geração à rasca"? E os sindicatos?
A economia muda tão rapidamente que só uma grande coesão entre patrões, gestores e trabalhadores permitirá manter o emprego no país. Regras mais claras e maior liberdade para ambas as partes poderia também ajudar a melhorar o ambiente dentro das empresas. Terá de haver um momento em que a ambiguidade tem de acabar. É agora? Fazer-se de conta que esta situação se pode manter é um suicídio colectivo.