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Futebóis à parte, por estes dias há mais Portugal em Espanha. Boas ou más razões? Já lá vamos. Os títulos dizem que o Cristiano vai abrir um hotel na Gran Via madrilena, que a Joana Vasconcelos vai expor no Guggenheim de Bilbao, que António Costa foi esta semana encontrar-se com Mariano Rajoy e, de caminho, inaugurar uma grande exposição sobre Fernando Pessoa e a vanguarda de artistas portugueses do princípio do século XX, no Museu Rainha Sofia, em Madrid.
Nas redes espanholas, porém, o conflito catalão é dominante, quase sempre em tom depreciativo, mas também mete portugueses ao barulho. Um exemplo: "Vantagens de trocarmos Portugal pela Catalunha: o português é melhor compreendido que o catalão e os portugueses esforçam-se por se fazer entender, ao contrário de muitos catalães. A Espanha ganharia em população e território. Perderia o mercado catalão, mas ganharia o da língua portuguesa, infinitamente maior. A Liga Espanhola de Futebol perderia o Barcelona, mas acrescentaria o Porto, Benfica e Sporting. E nós, os espanhóis, perderíamos em linguiça e cava, mas, em troca, ganharíamos em vinho verde, arroz de marisco e bacalhau nas suas múltiplas versões ...".
Descontada a piada e o tom anticatalão, o tema do "iberismo", a união política entre Espanha e Portugal, debaixo de uma mesma bandeira, aflora há séculos nas cabeças da elite castelhana que nunca renunciou ao sonho imperial de Madrid. Mesmo quando admitem que o maior erro de Castela foi, no tempo de Filipe II, não ter decidido fazer de Lisboa a capital. E lá voltam eles ao assunto, agora, quando uma parte da Espanha política defende a solução federativa numa próxima revisão constitucional. Não se vislumbra, todavia, que alguns deles se perguntem, antes, que pensariam de tal sorte os portugueses.
Por cá, podemos até ignorar os séculos de desconfiança que significam aqueles traseiros virados a Espanha, rabinhos ao léu talhados em granito que a história conserva, nas gárgulas dos beirais na Matriz de Caminha ou na Catedral da Guarda. Mas é ainda a profecia do cónego da Sé de Braga que prevalece. Dele se conta que, recebendo no Minho a visita de Afonso XIII de Espanha, terá justificado ao monarca porque é que os dois países ibéricos devem permanecer separados: "Portugal e Espanha são como irmão e irmã... Ora, como é sabido, a Santa Madre Igreja desaprova os matrimónios incestuosos". E não há relações fraternas na dominação.
*DIRETOR