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"Ó Zé António, és o maior! Grande negociante... Era como uma feira de gado. Foram todos menos a CGTP? Parabéns". Contextualizando: Zé António é o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, gado são os representantes da Concertação Social e a frase foi expressão sincera do ministro dos Negócios Estrangeiros Santos Silva, desobrigado da encenação institucional com que a tutela se relaciona com terceiros entre salões, algures pelo Terreiro do Paço.
Temos então que, exceção feita à CGTP, ausente do encontro com os parceiros sociais que selou o acordo para aumento do salário mínimo nacional, um ministro da República achou normal conceder aos representantes da UGT (União Geral dos Trabalhadores), CIP (Confederação Empresarial de Portugal), CPCI (Confederação Portuguesa de Construção e do Imobiliário), CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) e CTP (Confederação do Turismo Português), a dignidade com que se distinguem quaisquer bovinos da raça arouquesa, barrosã, mertolenga ou charolesa.
É bem certo que, apanhado pelas câmaras televisivas, Santos Silva acabou por reconhecer as expressões como "excessivas" e "inapropriadas", justificadas pelo facto de se ter "tratado de uma conversa privada antes do início do jantar", ditas "num tom de brincadeira a um colega e amigo de muitos anos".
Acontece que a gravidade não seria menor, mesmo se usadas no final do dito jantar, regado com o que fosse. Um ministro é um ministro, até se confessada a representação de salamaleques para trato institucional. Acresce que as desculpas não podem desvalorizar o histórico de que o próprio ministro Santos Silva faz parte.
A saber: corria o ano 2009 quando um outro ministro, de um outro Governo socialista - Manuel Pinho - simulou com gestos em forma de cornos na Assembleia da República, o que o atual ministro dos Negócios Estrangeiros "verbalizou" com todas as letras. À Esquerda a indignação foi geral. Rezam as crónicas que ao tempo, apesar das desculpas pedidas nos Passos Perdidos, Manuel Pinho não viu razões para sair do Governo. Acontece que foi chamado para uma conversa com o então ministro dos Assuntos Parlamentares Santos Silva e com o ministro da Presidência Silva Pereira. Logo depois, é sabido, foi implacavelmente demitido por José Sócrates.
7 anos passaram. Os bois continuam a ter cornos. Mas a Esquerda já não se indigna, ninguém conversa com Augusto Santos Silva, que também não conversa consigo próprio para dizer intimamente o que disse a Manuel Pinho e, claro, continua no lugar.
DEPUTADO EUROPEU