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Há alguns anos, ao chegar a um parque de campismo em França, deparei-me com um aviso: “Interdit aux nomades”! Estando exausto e a receção fechada, interroguei-me: será que este parque, situado numa montanha, é só para os habitantes da região? Em viagem, não serei eu um nómada”?
Apercebi-me, porém, que a interdição se dirigia a ciganos e outros grupos nómadas, os quais procuravam locais que respondessem às suas necessidades. Ou seja, nem todos os viajantes eram aceites. Apenas o eram turistas, viajantes ocasionais. Sedentários…
Se fosse hoje, no mínimo, teriam certamente acrescentado: “exceto nómadas digitais”!
Este episódio, de natureza pessoal, tem relevância por sugerir reflexões sobre a dialética nomadismo-sedentarismo que, presente nas nossas sociedades territorializadas e urbanas, passa normalmente despercebida. Mas, eis que, com os “nómadas digitais”, se desperta a referida dialética.
Michel Maffesoli chamou a atenção para a persistência de um nomadismo que apelidou de pós-moderno, identificando, pela sua vivência em espaços cosmopolitas de consumo, a respetiva essência antropológica: as pessoas e as comunidades aspiram, num antagonismo paradoxal, à estabilidade e à continuidade das rotinas dos seus territórios, a par das novidades e do movimento suscitado por outros lugares e outros horizontes.
A um tal propósito, recorda-se o valor heurístico da metáfora da “ponte e da porta” com que George Simmel alertou para a intrínseca correlação entre a porta que, como limiar, nos encerra num dado lugar, mas abrindo-a, inclusive pela imaginação, permite-nos aceder a uma ponte que nos leva para um outro lado. Conclui Maffesoli que “a estática tem necessidade da errância”.
É um facto que os nómadas digitais inauguram um novo tipo de nomadismo porque, em geral, mesmo à distância, a sua atividade remete, diferentemente do nomadismo tradicional, para núcleos de produção fixos e sedentarizações alternativas. Respeita-se e promove-se até o direito e o respeito social pela liberdade ativa das suas deslocações e permanências algures.
Em qualquer dos casos, eis que os novos nómadas não são marginais, podendo certamente agora entrar, sem problemas, no parque de campismo de que falei.
*ISCET-Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo/Obs. da Solidão