Duas agendas dramáticas marcam o país ano após ano - e sem fim à vista. No verão, as temperaturas altas "desculpam" os incêndios e geram prejuízos e choro pela perda de pessoas e bens. A delapidação do património nacional replica mais e mais diagnósticos de gente entendida - e sob a promessa de mais fiscalização e cumprimento das (demasiadas) regras já existentes. É o chamado sol de pouca dura. A chegada do outono e de umas chuvas é o bastante para desaparecerem do cone das preocupações os fatores de ignição dos incêndios. O sofrimento das populações é relegado para segundo plano e todas as decisões preventivas são engavetadas até ao reinício do ciclo da lamúria e do agravar do empobrecimento.
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O inverno constitui-se na outra face da moeda. As borrascas imponderáveis são isso mesmo, isto é, impossíveis de permitir o acautelar e a gestão de danos. Um minitornado ou uma parte significativa das inundações provocadas pela indisciplina dos rios não se podem controlar, mas outro tanto não se passa com muitas outras incidências.
Incomuns, as intempéries que têm assolado o país este ano vincam, apesar de tudo, erros crassos cometidos no passado e deixam a nu insuficiências de previsão e combate.
Na paciência infinita de ler este texto, está na expectativa de uma qualquer excitação adicional à gerada pela inusitada polémica provocada pela lã de rocha e as placas voadoras num fim de tarde de ventania no Estádio da Luz? Desengane-se! Tratou-se apenas de um imponderável menos original do que o facto de a Proteção Civil ter recomendado, à hora do almoço, a permanência das pessoas em casa e ninguém lhe ter ligado nenhuma, ao ponto de 60 mil almas terem peregrinado até ao recinto da Segunda Circular para um Benfica-Sporting.
Há vetores bem mais caracterizadores de um país gerido ao sabor das ondas.
O exasperar das populações provocado pela devastação da orla litoral é gritante exemplo e consequência de anos e anos de disparates, desvios e especulação imobiliária chancelada por vários poderes, locais e nacionais, inexistindo a simplificação no amontoado de autoridades chamadas a puxar dos galões. Não há um cardápio de decisões drásticas capazes de servirem de guia de boas práticas. E para o ano há mais....
Assim como assim, o inverno implacável abre espaço também a público e notório desleixo nacional: a queda, aqui e ali, de prédios em ruínas. Várias zonas do Porto e Lisboa são exemplos acabados de aglomerados populacionais a rivalizar na memória da degradação saída da II Guerra Mundial ou das zonas órbitas do mais serôdio sovietismo. Uma vergonha!
Cansado de diagnósticos associados à mais pura das inações, o país desespera pelo estabelecimento de prioridades - até para aplicação do pouco dinheiro disponível para investimento.
O verão e o inverno são, no fundo, paradigmáticos de um povo desorientado, governado há décadas sem desígnios.