Sempre que confrontado com um caso gritante de incompetência, o meu amigo Abílio comenta: "A quem não sabe fazer amor, até os testículos atrapalham". Bem, para ser sincero, como é um homem do Norte , sem medo das palavras nem de abusar do calão, não é bem assim que ele diz a frase. Na referência à bolsa onde se produzem os espermatozoides, prefere o vocábulo mais cru, que rima com canhões, a palavra escolhida para substituir bretões na letra d'A Portuguesa, que na sua versão inicial era um hino republicano que se insurgia contra a cobarde capitulação do rei face ao Ultimato britânico.
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A forma como os diferentes agentes do Estado português geriram os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, desde a sua nacionalização em 1975, demonstra a verdade de sangue da sentença do meu amigo Abílio, sendo que, como já devem ter imaginado, a expressão "fazer amor" não consta do enunciado original , mas antes um verbo que conjugamos frequentemente, rima com comer e encerra dois significados contraditórios: um benévolo e prazenteiro (dar e receber prazer, através de um ato sexual) e outro prejudicial e brutal (deixar uma pessoa ou coisa em péssimo estado).
Desde que tomou conta dos estaleiros, o Estado não fez amor com eles. Prejudicou-os. Deixou-os às portas da morte, desperdiçando riqueza, destruindo postos de trabalho, liquidando conhecimento e competências numa matéria, o mar, que nos é muito cara. Até dói olhar para o rol de patifarias perpetradas por incompetência ou em nome de interesses particulares.
Se eu fosse um dos 609 trabalhadores que restam nos estaleiros, aproveitava este tempo que falta para ser atirado para o desemprego ou a reforma para fabricar um jogo de setas , e ilustrava o alvo com a cara de Carlos César: 100 pontos para quem acertasse na garganta, 75 na testa, 50 nos olhos... Com o produto da venda, que presumo seria um sucesso (e não apenas no Alto Minho) sempre arredondava o subsídio de desemprego ou a pensão.
Se eu fosse presidente da Câmara de Viana, não desistiria enquanto não obrigasse a justiça a descobrir quem é que no interior ou periferia do Governo Regional dos Açores lucrou com o negócio da anulação da encomenda dos ferries Atlântida e Anticiclone. José Maria Costa está coberto de razão quando diz que a morte anunciada dos estaleiros também é um caso de polícia.
Mas não façam confusão. A miserável recusa dos ferries para os Açores é só a facada final nas costas dos estaleiros, cuja saúde já estava arruinada e o futuro comprometido pela ação incompetente ou inação irresponsável de todos os governos que desde 75 passaram pelo Terreiro do Paço. Não vale a pena tentarem imitar Pilatos. Lisboa e Ponta Delgada são quem tem mais culpas neste cartório, mas ninguém tem as mãos limpas, sendo que este ninguém é um saco grande onde cabem todos os partidos parlamentares, sindicatos e trabalhadores.
O que se passou nos últimos 38 anos nos estaleiros é a prova dos nove da incompetência do Estado para gerir empresas e de que a sua atuação na economia se deve limitar a orientar, estimular, regular e supervisionar, corrigindo com autoridade, prontidão e mão pesada sempre que o livre jogo do mercado se revele pernicioso para o resto da sociedade.
Porque, como diz o meu amigo Abílio, a quem não sabe f..., até os c... atrapalham. E gerir empresas atrapalha um Estado governado por gente fraca, que adora ser gostada, detesta dar más notícias, adia decisões dolorosas, mas importantes, com medo de perder votos e eleições, e está refém dos interesses dos amigos (passados, presentes e futuros), dos financiadores e, ainda, dos poderosos grupos de pressão.