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É conhecida a história do cientista que estudando a pulga, uma por uma lhe tirou as patas para descobrir o impacto na capacidade da pulga pular. Tirou a primeira e ela pulou razoavelmente bem. Tirou a segunda, pulou com mais dificuldade, mas ainda bem. Quando chegou à última perna, a pulga obviamente estava com muita dificuldade, mas ainda assim deu um pequeno salto. Finalmente, o cientista tirou a última pata. "Pula", disse ele, mas nada aconteceu. "Pula!", disse em voz alta, gritou, mas a pulga nem se mexeu. Com isso, o cientista concluiu que "ao tirar todas as patas da pulga ela ficou surda".
Muito do que vamos vendo na região faz-me muitas vezes lembrar a história da pulga sem patas. Se fomos ao longo dos anos desinvestindo na nossa infraestrutura ferroviária, é óbvio que podemos no fim concluir que determinada linha já não se justifica, o que pode ser errado nalguns casos. Foi assim na ligação a Vigo, o mesmo acontecendo na Linha do Douro. Pese o esforço sério e competente da atual Administração da CP, o problema reside nos cortes sucessivos que ao longo de muitos anos foram realizados nestas vias, limitando de forma dramática a sua capacidade de oferta. É agora óbvio que sem infraestrutura capaz não é possível responder aos apelos da procura do número mais elevado de turistas que em cada ano nos visita. A substituição da linha da CP da Trofa por uma alternativa medíocre de transporte em autocarro pode levar à conclusão, 15 anos depois, que a sua reposição não faz sentido por falta de utentes. Daí a importância das intervenções nestas ligações, com atualidade e tempos de ligação decentes. A melhoria da oferta é muitas vezes decisiva para criar um forte estímulo na procura.
O que acabo de referir mostra que em matéria de desenvolvimento regional é fundamental planear e ter capacidade para antecipar cenários de forma credível. Em 2006, com Rui Rio e Castro Almeida, fomos brindados por um douto administrador da ANA com um chorrilho de adjetivos negativos sobre a decisão da Área Metropolitana do Porto em usar parte importante do seu orçamento no apoio ao crescimento do aeroporto através de companhias de baixo custo. Em 10 anos, passamos de 3 para 8 milhões de passageiros, o que seria impossível sem ter dotado a infraestrutura de "patas para pular".
* PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO PORTO