O presidente da República utilizou as suas três últimas intervenções públicas para, com jeito e diplomacia, dizer aos líderes do PS e do PSD que é tempo de acabarem com a inconsequente guerra de palavras suscitada pela aprovação, ou rejeição, do Orçamento do Estado (OE) para 2011.
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A altura escolhida por Cavaco Silva tem uma razão de ser: apesar de Sócrates e Passos Coelho continuarem com discursos azedos, a tensão que se havia estabelecido em meados de Agosto entre os dois "partidos de poder" está hoje num grau bem mais baixo.
Expurgados os "sound-bytes" comicieiros que sempre animam a malta entre uma trinca numa febra grelhada e um golo num copo de tinto carrascão, está há muito tempo bom de ver que, mais cedo do que tarde, o líder social-democrata e o primeiro-ministro se sentarão à mesa para limar as arestas do documento, por muito pontiagudas que elas possam hoje parecer. Suportar o peso de uma crise política seria mortífero para Passos Coelho. Ficar com o ónus do nó górdio em que o país se meteria numa altura tão difícil como esta é coisa que Sócrates também não deseja. De modo que, com o empurrãozinho do chefe de Estado, a coisa há-de compor-se. Descansemos, portanto.
Esta discussão, que é séria e deve ser alargada a todos os partidos com assento parlamentar, no sentido de os chamar todos à responsabilidade, contém em si um pequeno problema. Na edição de ontem do "Público", Basílio Horta, presidente da AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal), avisava, na linha de Cavaco Silva: "Seria uma desgraça total" a inexistência de um acordo político para a aprovação do próximo OE. "Alguém investia numa empresa na qual a administração não conseguisse aprovar o seu orçamento"?
De facto, não investiria. Sucede que uma empresa não é bem um país. E aqui está o ponto: a pressão que está criada para aprovar o OE não pode ter como consequência última a votação de um documento inócuo. Por mim, prefiro não ter OE a ter um mau OE. O que é um mau OE? É um orçamento que, para não comprometer policamente ninguém, esquece a essência dos problemas do país, tratando apenas da aparência dos mesmos. A estabilidade política é um valor importante, fundamental mesmo. Mas não pode ser um entrave à mudança, nuns casos, e ao estugar do passo, noutros. Desgraça, desgraça total seria não adoptar as medidas que se impõem para pôr um freio na despesa, para animar a economia, para travar o desemprego...