Ainda que algo abafados pelo ruído mediático causado pela novela associada à Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP, os números sobre o desempenho da economia no primeiro trimestre do ano em curso têm, nos últimos dias, sido objeto de cuidada e persistente divulgação enquanto crédito das políticas e da ação governativa.
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São, de facto, bons indicadores e isso é muito positivo.
Já quanto à sua associação direta à ação governativa, não só são grandes as minhas dúvidas, como é muito grande a estupefação quanto à aceitação que a opinião pública dela faz sem pestanejar.
Isto porque não encontro, admitindo que por inépcia da minha parte, qualquer medida ou ação da responsabilidade do Governo que possa estar na base destes bons resultados. Diria o mesmo se eles fossem maus e as causas fossem as mesmas: a conjuntura internacional e, obviamente, a dinâmica do nosso aparelho produtivo e exportador.
Mais, atrevo-me a dizer, assumindo os riscos associados às afirmações perentórias, que estes resultados são obtidos apesar da ação do Governo, ou melhor da sua inação para acabar ou minimizar fortemente os mais do que inventariados custos de contexto que impedem o bom desenvolvimento da nossa economia, onde se destacam: a inoperante justiça económica, a elevada carga fiscal, a rigidez da legislação laboral e a asfixiante burocracia, com as suas incontáveis taxas e taxinhas e os seus infindáveis requerimentos e licenciamentos.
Desgraçadamente, na maior parte dos decisores políticos, ainda vigora, talvez porque vem detrás e não há coragem ou clarividência para a contrariar, uma cultura antiempresa ou, pelo menos, de desconfiança por tudo o que vem da iniciativa privada.
No entanto, tenho que reconhecer que, com elevada probabilidade, o quadro seria o mesmo com outro Governo. Infelizmente, a questão é sistémica e só um pacto de regime construído na faixa (ainda) maioritária do bom senso, a que alguns também chamam centrão, poderia levar a uma solução. Até lá, as empresas têm que carregar este fardo, em cima dos demais que são inerentes à sua atividade.
A questão a colocar deve ser antes: que números poderíamos estar a exibir, com as desejadas consequências para a nossa qualidade de vida, se os tais custos de contexto fossem, de forma expressiva, aliviados?
O que não se compreende mesmo, e julgo que nos devia a todos inquietar, é que Governo após Governo, década após década, não sejamos capazes de proceder às necessárias e libertadoras reformas que nos permitiriam dar o salto para patamares mais elevados de geração de riqueza e consequente bem-estar. É o tal crescimento anémico que nos persegue, qual praga, neste início do século XXI.
Por isso, e por ora, os créditos, a existirem, têm mesmo que nos ser atribuídos: aos que enquanto empresários, trabalhadores ou funcionários públicos fazemos diariamente girar a grande roda do PIB.
*Diretor-executivo do Health Cluster Portugal