Corpo do artigo
Salvo raras exceções - entre as quais destacamos o artigo publicado por Nicolau Santos na edição de 30 de janeiro do semanário "Expresso" - a opinião económica dominante nos meios de Comunicação Social é o reflexo boçal de uma cultura que floresceu com a ditadura salazarista e que se exprime com propriedade pela máxima infeliz: - "pobrezinhos mas honrados!" Um dos mais celebrados méritos do velho ditador, além do reequilíbrio das finanças públicas, teria sido evitar a participação portuguesa na II Grande Guerra! O mito ancestral dessa "(...) austera, apagada e vil tristeza" tão deplorada pelos nossos poetas - de Luís de Camões a Fernando Pessoa - sempre encontrou forma de atualizar os seus eternos pressupostos: Portugal é um país pequeno e sem recursos, a nossa relevância internacional é nula, o povo é mesquinho e inculto. E por isso transitamos sem sobressalto, do "orgulhosamente sós", do "Estado Novo", para a menoridade do "aluno exemplar" da Comunidade Económica Europeia, promovida pelos três governos consecutivos de Aníbal Cavaco Silva (1985/1995).
Apesar de a crise internacional de 2008 ter resultado de uma "bolha imobiliária" gerada pela ganância financeira, no outro lado do Atlântico, o empobrecimento coletivo, sob a égide do Governo de Passos Coelho e Paulo Portas, foi-nos imposto em 2011 com a justificação de que "vivíamos acima das nossas possibilidades"... como se a miséria fosse o nosso destino "natural"! Perdemos os últimos cinco anos em conversas fúteis sobre "gorduras do estado" e "desequilíbrios orçamentais", e tudo serviu apenas de justificação para cortes extraordinários nos vencimentos e aumentos extraordinários nos impostos, com o resultado por de mais conhecido de que cresceu a miséria, definhou a economia e agravou-se o endividamento.
Por isso mesmo, os cidadãos reclamaram, nas eleições legislativas de outubro de 2015, o fim das políticas ruinosas aplicadas pelo PSD e o CDS nesses dramáticos quatro anos e meio. A ação do novo Governo não visa mais do que dar cumprimento à alternativa política que prometeu no seu programa eleitoral. Para mudar as políticas, foi necessário desconstruir a fábula de que a austeridade mais extrema a que o povo foi sujeito era uma consequência inevitável do "despesismo irresponsável" dos governos anteriores e que os sacrifícios indispensáveis para vencer a crise eram ditados compulsivamente pela Europa e pela "troika" dos credores. Para mudar as políticas da governação anterior, o novo Governo anunciou que era indispensável uma atitude enérgica no diálogo com os parceiros europeus, na procura de convergências com outros estados membros e na construção de novos consensos que pudessem romper com a ortodoxia financeira que condenou a economia europeia a uma longa estagnação. E que o cumprimento leal dos nossos compromissos e o respeito pelas regras e princípios comuns não prejudicam a avaliação dos resultados das medidas adotadas, nem a discussão dos critérios aplicáveis, nem a defesa do "interesse nacional", conforme a vontade democrática expressa pelos cidadãos. É exatamente este o caminho que o novo Governo está a fazer, para desgosto dos comentadores económicos e das forças políticas derrotadas nas últimas eleições que desesperadamente se agarram aos ditos de alguns analistas das "agências de rating" ou de instituições financeiras inquietas com as novas orientações políticas que lhes desagradam, para reclamarem a razão que perderam e os resultados que lhes falharam.
Perdemos cinco anos em conversas sobre orçamentos e finanças. Na passada sexta-feira, o novo Governo propunha-se debater no Parlamento as suas propostas de "modernização administrativa". Contudo, a oposição, pela voz do antigo primeiro-ministro - que em tempos prometera uma reforma do Estado que nem sequer foi capaz de iniciar - conseguiu impor que se falasse - não do orçamento, que ainda não existe - mas apenas do "esboço" que precede a ampla discussão do Orçamento do Estado que será apresentado nesta quinta-feira e ocupará os trabalhos parlamentares das próximas semanas. O tiro, como era de esperar, saiu-lhe pela culatra, mas era escusado perder tanto tempo a demonstrar os seus erros e contradições flagrantes, a discutir a "intendência", em vez de tratar das mudanças estruturais que o país continua a aguardar: a modernização administrativa e a reforma do Estado.
DEPUTADO E PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL