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O Governo português esteve bem ao decretar três dias de luto nacional pela morte da soberana inglesa, cujo funeral de Estado decorre hoje. Contrariamente ao que alguns escreveram, ou vociferaram por aqui e ali, "provinciano" e ignorante da nossa História teria sido não o ter decretado. O Governo da República, independentemente do que pensemos em termos políticos e político-partidários dele, não deixa de ser o Governo de Portugal. E compete-lhe, a todo o instante, ter presente, não apenas o tempo que passa mas, igualmente, o acervo que constitui uma História que o trouxe - nos trouxe - até aqui. Uma figura maior da História contemporânea mundial, chefe de um Estado multitudinário e multiterritorial que celebrou com o país o mais duradouro tratado da nossa história diplomática, no século XIV, até por excesso (setenta anos de reinado) estaria sempre, nem que por defeito, ligada a nós. Não se trata de uma mera questão afectiva ou mediática, tão mal compreendida em tantos meios, com mais ou menos ignorância e alacridade. Sim, num país em que se fazem filas para comprar bilhetes para a bola ou para concertos "únicos", exactamente como no Reino Unido, é complicado entender a "queue" de quilómetros, horas e dias que se formou em Londres para ver a rainha "lying in State". Eles, os britânicos, distinguem. Nós, aparentemente, não. Porque a nossa cultura cívica e histórica é tão raquítica quanto praticamente inexistente. Ou seja, os provincianos somos nós quando exibimos enfado por algo que não conseguimos entender. A maior virtude pessoal e política de Isabel II, com algumas inevitáveis infelicidades circunstanciais mais ligadas à própria família real que ao desempenho público imaculado, consistiu em liderar um sistema constitucional que permite ao chefe de Estado não ser arrastado - ou colocar-se voluntariamente lá - para o lodaçal inevitável da "política" e dos partidos. A rainha nunca "comentou". A autoridade que isso lhe conferiu reflectiu-se nas exéquias, afinal, populares a que assistimos até hoje à tarde. Isabel esteve sempre "por cima", sem nunca ter sentido necessidade de se vulgarizar, o que teria sido um desastre num reinado repleto de vicissitudes sociopolíticas e culturais. À semelhança da sua real antecessora, a homónima Isabel gozou sempre da afeição dos "Comuns", aqui no duplo sentido parlamentar e popular. Sem populismos. E, como ela, poderá dizer que "embora Deus me elevasse tão alto, no entanto conto como glória da minha coroa o ter reinado com o vosso amor". Descanse em paz que bem merece.
*Jurista
o autor escreve segundo a antiga ortografia