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Na falta de outras ideias que retomem o caminho duma urgente "reabilitação" política e administrativa do país - e até há quem a designe por "regionalização" - surgem na cena política várias propostas que vão muito para além duma simples reforma como é o caso da forma de eleição (e poderes) do presidente da República, da redução do número (e forma de eleição) dos deputados, do número de ministérios ou da reorganização das freguesias, entre outras. Já não é mau e, simultaneamente, já não é pouco! Sobretudo, se não se tratar de uma cortina de fumo para, mais uma vez, evitar as reformas que já deviam ter acontecido há muitos anos mas que ainda não aconteceram.
Tomemos, para já, a questão das freguesias que são o nível mais básico da Administração pública. Depois de tímidas iniciativas dispersas, diversas e espaçadas no espaço e no tempo, a Câmara Municipal de Lisboa avançou com um plano concreto e propôs que as 54 freguesias da cidade fossem reduzidas para 23. O Governo, ainda que no âmbito de uma política de reforma administrativa mais ampla, decidiu seguir o exemplo da capital e prepara-se para propor um novo "mapa autárquico". Nada que faça muito estrago uma vez que, ao que parece, o ministério correspondente ainda só está a "fazer o retrato administrativo do território". Estamos, portanto e ainda, nos prologómenos.
Na mesma linha parece estarem a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) e a Associação Nacional de Municípios (ANM) que ou nada dizem ou apenas se declaram disponíveis para debater. Ou seja, ainda nem sequer têm a máquina com que vão fazer o retrato que o Governo diz que já está a fazer. Não são grandes notícias, mas esperemos que os retratos sejam, pelo menos, muito parecidos! Caso contrário, não chegaremos, tão cedo, a qualquer conclusão.
Em qualquer caso e para além da proposta da Câmara Municipal de Lisboa que parece ser consistente, as considerações produzidas por diferentes responsáveis associativos e governamentais não são muito entusiasmantes. De facto, o presidente da ANAFRE rejeita, desde logo, os argumentos da "poupança e da racionalidade como base para a reforma" assim como uma decisão a régua e esquadro". Por seu lado, o Governo fala em "realidade eleitoral", na "maior eficiência dos serviços", na importância da palavra que os autarcas terão para dizer e, ainda, nos fóruns que vai promover. E, ao que parece, a Associação Nacional de Municípios, ou não pensa nada ou, se pensa, não diz. Como também não se sabe o que pensam, a este respeito, as cinco comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) que são as entidades responsáveis pela elaboração dos Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT) que, na generalidade, parece terem entrado em hibernação. E, claro, que também seria interessante saber o que pensam as demais entidades que, chegada a hora de decidir, vão ter mesmo de decidir.
Digamos que, sobre o assunto, há, sobretudo, silêncio! Se isso significa que só não sabe o que todos pensamos, não será dramático, mas o pouco que é dito faz temer o pior! A verdade é que, qualquer que seja a perspectiva, estamos a falar da base a partir da qual se constrói o complexo edifício que é a Administração pública, o que quer dizer que estamos a falar da unidade básica da organização. Que é o mesmo que falar da primeira instância a partir da qual se constrói a ideia de comunidade, ou seja, o primeiro nível de relação social autónoma e sustentável e à escala do nosso quotidiano e, portanto, a mais básica e essencial das formas de organização. E será que esse nível corresponde ao conceito que hoje temos de freguesia? Em qualquer caso, não deixa de ser sintomático que, a este respeito, não haja já ideias claras. Ainda que diferentes. Ou seja, é estranho que, a esse respeito, não haja já um conceito. É que, sem ele, nada se constrói.