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Na semana passada, em pré-campanha autárquica por Vila Real, sua terra, Pedro Passos Coelho afirmou ao "Expresso" a sua intenção de voltar a candidatar-se a uma nova legislatura. "Claro que o normal é recandidatar-me... Não há nenhuma razão para eu desistir", disse. Choveram comentários, a maioria deles avaliando esta afirmação como o resultado do afastamento do primeiro-ministro do país real e como reflexo da insensibilidade do chefe do Governo ao sentimento de insatisfação que atravessa todas as classes sociais. Como pode pensar em liderar um combate eleitoral quem está hoje tão negativamente avaliado pelos portugueses?!
Mas poderia o presidente do PSD e primeiro-ministro ter dito outra coisa? Quem resiste até ao limite para deixar cair Miguel Relvas, quem afronta o Tribunal Constitucional por discordar da sua posição em relação aos orçamentos, quem entende não haver alternativa às políticas que defende e quem declara não ter medo dos portugueses nem do seu julgamento poderia afirmar algo de diferente?
Pela longa experiência política que já tem, Pedro Passos Coelho sabe que não podia dizer senão o que disse. Se porventura declarasse que o seu único objetivo era terminar este mandato ou mesmo que apenas pusesse em dúvida a sua recandidatura, não teria mais sossego até ao final da legislatura. A sua autoridade seria imediatamente posta em causa.
Desde logo no PSD. A luta pela sucessão seria aberta, os conflitos internos seriam mais visíveis e dificilmente Passos Coelho teria mão no grupo parlamentar, que até agora se manteve coeso. Se já hoje alguns falam discretamente no PPP (período pós-Passos), o que seria sabendo-se que estaria de saída?
Depois, o comportamento do parceiro de coligação. São inúmeros os sinais de uma conflitualidade latente entre os dois partidos e, até, entre os dois líderes. Todos temos bem presente as declarações do presidente do CDS sobre a TSU, sobre os cortes nas pensões e a falta do ministro de Estado à posse dos novos membros do Governo por razões ainda hoje não explicadas. Paulo Portas, perante o abandono à vista do chefe do Governo, veria o seu papel reforçado e provocaria um desgaste ainda maior no PSD e no seu líder.
Os últimos estudos de opinião são já bem o reflexo deste desgaste, mostrando Portas como a segunda mais popular figura da República e Passos Coelho como o mais impopular. Daqui em diante, seria pior.
Por outro lado, a autoridade perante os diferentes ministros sairia também abalada. Tendo pela frente um panorama em que a austeridade continua a dominar e em que não se vislumbra qualquer abrandamento nas imensas dificuldades impostas aos portugueses, conseguir fazer vingar no seio do Governo medidas impopulares e fazê--las aprovar no grupo parlamentar seria uma tarefa quase impossível. A um primeiro-ministro de saída, escreve--se-lhe o epitáfio.
Mas também a relação com as entidades que compõem a troika ficaria ainda mais debilitada. Sabendo-se que a intervenção destas entidades não se esgota no período do programa de ajustamento, as atenções virar-se-iam naturalmente para o senhor que se segue.
Finalmente, se afirmasse não se recandidatar, a probabilidade de uma maior instabilidade no seio do Governo seria ainda mais forte, o que teria reflexos na avaliação, já hoje muito frágil, que os mercados fazem do nosso país.
Pedro Passos Coelho sabe tudo isto muito bem. E também sabe, porque afirmou não haver "...nenhuma razão para eu desistir" que, a esta distância, o anúncio de uma não recandidatura mostraria desde logo a sua falta de confiança nas políticas que protagonizou, dando razão aos seus críticos.
Significa isto que o atual primeiro--ministro será, naturalmente, o candidato do PSD às próximas eleições legislativas? Não é assim tão evidente. A meu ver, vai depender de como correrem as coisas no último ano da legislatura, se lá se chegar. Se houver sinais evidentes de alguma recuperação económica e social, com o desemprego a diminuir e os portugueses a sentirem que o pior já passou, a sua liderança poderá manter-se. Mas se a situação for próxima da que vivemos hoje, é muito pouco provável que o PSD se deixe derrotar mesmo antes de ir a votos. Para já, ao afirmar a recandidatura, Passos Coelho fez o que lhe competia. É fácil escolher o percurso quando não há caminho alternativo.