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Conhecem-se, agora em detalhe, os termos do ultimato que a "troika" colocou aos portugueses, e que o país terá que cumprir se não se quiser ver condenado à insolvência. Preparados para o pior, os portugueses respiraram fundo. Para o que contribuiu, também, o discurso do primeiro-ministro, que iniciou uma nova forma de fazer política, começando por anunciar as privações que não terão de ser feitas, um pouco como o médico que, forçado a amputar o braço do paciente, lhe começa por dizer que não terá de lhe cortar as duas pernas.
Na verdade, as medidas que serão impostas aos portugueses nos próximos anos implicarão sacrifícios muito sérios e, como se temia, serão suportadas mais uma vez, e em grande parte, pela classe média do país, o que não deixará de ter, a prazo, pesadas consequências, e um grande impacto social, cultural e político.
Ainda assim, este "pacote" de medidas tem virtudes óbvias, e só por má-fé pode ser comparado com o PEC 4. Em primeiro lugar, porque o mecanismo de controlo trimestral impedirá as "derrapagens" a que se tem assistido nas contas públicas, o que reduz o risco a que temos estado sujeitos. Depois, porque abrange muito mais áreas do que as previstas nessa proposta do Governo, nomeadamente ao nível da redução dos gastos do Estado, além de que, ao reduzir a prestação das empresas, terá um impacto equivalente a uma desvalorização. Por outro lado, porque terá a vantagem de trazer quase 80 mil milhões de euros para a nossa economia a uma taxa de juro inferior, em metade, aquela a que o país se iria, de outra forma, sujeitar.
Curiosamente, o Governo português acabou por aceitar, em poucas semanas, tomar medidas que há muito vinham a ser preconizadas pelo PSD e pelo CDS. Como disse Fernando Ulrich, "foi comovente ouvir Pedro Silva Pereira a pedir o apoio desses partidos da Oposição para que o pacote seja aprovado, quando ele se assemelha muito mais aos seus programas do que com aquilo que o PS fez desde que chegou ao poder".
Não sei qual será a interpretação que os portugueses fazem de tudo o que se passou nos últimos dias. A máquina de propaganda é eficiente, e contribui para o encurtar da memória. Será que ainda alguém se lembra de ouvir Sócrates garantir que não governaria com o FMI? Creio que, apesar de todas as dúvidas que um tema tão complicado possa suscitar, já se percebeu que foi bom que o PEC 4 fosse chumbado, na medida em que mesmo que este pacote fosse igual, e não é, tem a vantagem comparativa de permitir que o Estado se endivide a uma taxa muito mais baixa. Ter-se-á percebido, também, que os políticos que andavam desavindos se entenderam em apenas três semanas, não apenas porque lhes acenaram com a cenoura (e era a única existente) mas também porque, ao contrário do que fez o Governo demissionário, a "troika" tratou de ouvir, e à séria, quer a oposição, quer os parceiros sociais.
Há quem diga que, apesar de tudo, o PS irá vencer as eleições legislativas, e que José Sócrates continuará a ser o primeiro-ministro de Portugal. O que pensa o eleitorado só se saberá em Junho, mas se esse cenário se vier a verificar será curioso assistir à forma como Sócrates conseguirá governar ao contrário do que sempre governou, impondo as medidas que lhe são exigidas, que Manuela Ferreira Leite propôs, que o eleitorado recusou, e que ele então considerou ridículas e menosprezou.