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O senhor Marques é o mais bem humorado dos compinchas com quem partilho uma das alas do balneário do ginásio onde tentamos tirar calorias ao corpo. Sempre que nos encontramos, ele faz questão de lembrar aos presentes quantos dias faltam para se reformar. Há dias, entrou acabrunhado no balneário. O Governo pregara-lhe uma partida: dissera-lhe que vai ter que esperar mais dois anos para se reformar.
O desgosto do senhor Marques é o desgosto de milhares de portugueses que, como ele, tinham feito contas à vida partindo do presuposto de que, dentro de meses, sairiam do mercado de trabalho. Numa espécie de Conselho de Ministros clandestino (coisa sinistra numa de democracia...), o Executivo decidiu congelar as reformas e manter tudo em segredo durante uns dias.
Passos Coelho explicou mais tarde que, se tivesse dito a verdade aos portugueses (coisa perigosa, como se sabe), haveria uma corrida às reformas. Pífia justificação: há certamente mecanismos legais que ajudem a travar tal movimento. Verdadeira justificação: a conta da segurança social (e não a sustentabilidade da segurança social, que é coisa bem diferente) para este ano está a derrapar (regista o pior resultado dos ýúltimos 20 anos) e, por isso, sob pena de o défice se descontrolar, há que deitar mão a tudo o que sobrecarregue as contas do Estado (a poupança"é de 450 milhões de euros).
É evidente que, ao congelar a reforma ao senhor Marques, o Governo está apenas a empurrar o problema com a barriga, na medida em que quantos mais anos um trabalhador ficar no seu posto, maior será, em princípio, a sua pensão de reforma, logo, maior será o encargo para o Estado. A expressão "em princípio" merece um sublinhado: pode ser que, lá para 2015, as contas do país obriguem a mais drásticas medidas, empurrando para mais tarde a idade da reforma, ou dando uma talhada no valor a que cada pensionista tem direito, após anos e anos de descontos.
Politicamente, o mais relevante desta medida é o que ela mostra com clareza: desespero. Numa matéria tão séria como esta, não se pode apanhar os portugueses de surpresa; como não se pode pôr em causa as bases de um (importante) acordo de concertação social, seis semanas depois de ele estar assinado; como não se pode escamotear que se trata de uma nova - e dura - medida de austeridade; como não se pode tratar assim a Oposição do arco governativo; como não se pode transmitir aos portugueses que o que hoje é verdade amanhã pode não o ser.
Os portugueses já mostraram uma extraordinária elasticidade para acomodar a auasteridade. Mentir-lhes e montar-lhes ratoeiras pelo caminho não"é sério. É lamentável. E perigoso. Perguntem ao senhor Marques.
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