Há muito de pavloviano no comportamento dos partidos sempre que se aproximam as campanhas eleitorais. Uma repetida manifestação de reflexos condicionados da classe política prende-se com a regionalização ou, na atual linguagem "soft", com a "descentralização". Se toca a sineta do eleitor a Norte ou no interior, é quase certo que o político irá salivar sempre qualquer coisa sobre a necessidade de reforçar a "descentralização".
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As últimas pingas de saliva do PS resultaram num capítulo no programa socialista intitulado "Descentralização, base da reforma do Estado", que acabaria vertido no programa do Governo e onde se destacam a "democratização" das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) e a eleição do presidente das áreas metropolitanas de Porto e Lisboa.
A primeira medida, a eleição do órgão executivo das CCDR por autarcas, representa uma revolução com consequências difíceis de percecionar, depois de nos últimos anos estes órgãos se terem transformado cada vez mais em correias de transmissão do Governo e em distribuidores de verbas comunitárias, e cada vez menos em centros de competências e planeamento. Com um quadro comunitário que favorece as empresas, houve mesmo quem se posicionasse contra o "lobby dos autarcas", aqueles mesmos que os irão eleger no futuro...
Mas se a primeira medida é difícil de perceber, a segunda, a eleição direta dos presidentes das áreas metropolitanas, é difícil de aceitar. Desde logo, por aqueles que defendem uma descentralização, baseados na crença de que existem problemas de cariz regional que ganham em ser resolvidos por órgãos com autonomia e legitimidade própria. Por muita importância que tenham as áreas metropolitanas, não substituem a necessidade de ação a nível regional e não se entende como é que um cidadão de Famalicão, por exemplo, deva ter menos direitos políticos do que um cidadão de Santo Tirso. Por que não eleger as comunidades intermunicipais?
Que competências e recursos terá este órgão que hoje é, em termos orçamentais, uma formiga ao pé, por exemplo, de uma autarquia como o Porto ou de uma CCDR-N? E já alguém ponderou como ficará ferida de morte a liderança natural do Porto enquanto cabeça de uma região, se a AMP se separasse do Norte?
Mas não, para além de uns tantos entretidos com a possibilidade de ver o seu rosto no quarto boletim de voto das eleições locais, ninguém deve ter pensado numa reforma que, para já, parece colada com cuspe.