<p>Para alguns só houve duas repúblicas. A primeira, nascida de cesariana a 5 de Outubro de 1910, e a segunda, também retirada a ferros, mas quase sem combates (se descontarmos o tiroteio mortal à porta da PIDE, hoje um condomínio de luxo), no dia 25 de Abril de 1974. Aliás, há ainda uma interpretação mais restritiva. A primeira República só teria verdadeiramente começado em 1911, com a aprovação da Constituição parlamentarista, e a segunda só em 1976, com a entrada em vigor da lei fundamental semipresidencialista (então ainda de vertente presidencial).</p>
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Para esta visão, o que fica nos interstícios é outra coisa que não República.
O Estado Novo (1933-1968, se considerarmos que o marcelismo é diferente experiência, ou 1933-1974, se entendermos que é mesma, dado que a Constituição foi revista, mas não houve nova norma) terá sido "regime autocrático", e portanto não-República. Se bem que, na teoria das ideias e dos regimes, a história está coalhada de repúblicas autoritárias (e de monarquias liberais).
Duas ou três repúblicas, mais ou menos longas, marcaram assim o nosso século XX. Mesmo o curto momento de uma década monárquica era prenúncio republicano, e no reino estavam já, perfiladas, as instituições que fariam o 5 de Outubro.
Aconteceu o mesmo na República de Abril. Apesar de muitos dos que marcaram a experiência terem regressado do exílio ou da clandestinidade (os casos mais notórios foram os de Álvaro Cunhal e Mário Soares), a larga maioria da classe política pós-1974 veio ou dos quadros do regime (UN e ANP, Câmara Corporativa e Assembleia Nacional, etc.), ou dos movimentos cívicos de oposição (CDE e CEUD, grupos estudantis), legais ou tolerados. Ou ainda de partidos proscritos, mas que estavam já implantados (o PCP, de forma mais profunda, o PS, menos).
O sustentáculo do novo regime, porém, foi a base do anterior, a força armada. Estrutura militar artificialmente inflacionada, por causa das guerras africanas e da ordem interna, que acabou por ser, sobretudo, um actor político "civil".
Na continuidade dos homens e na mudança das ideias, há consequências.
Por um lado, não sofremos os banhos de sangue dos sovietes e dos nazis. Por outro, mantivemos, se calhar, da "Esquerda" à "Direita", todos os velhos defeitos. E todos os velhos tiques.
Mas com nomes diferentes, claro.