O vórtice quotidiano, por estes dias consumido pelos casos e casinhos que aceleram o fim do ciclo político socialista, é o euromilhões dos bárbaros de circunstância, soltos que estão para dizerem e praticarem enormidades sem que o peso do incómodo lhes caia em cima. Segue-se um exemplo.
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A propósito do Dia Internacional da Visibilidade Trans, assinalado no final de março, Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, votou favoravelmente a saudação da autarquia à data em causa, mas opôs-se, pelo segundo ano consecutivo, ao hastear da bandeira da comunidade transexual nos Paços do Concelho. Porquê? Porque Moedas é "um institucionalista" (sic). O que significa isso? Significa que "não podemos andar aqui num percurso de continuar a pôr aqui bandeiras na nossa Câmara. Podemos pô-las noutros locais. Mas ali é o local onde se implantou a República" (sic). E a República é hétero, como se sabe. Podemos aceitar a malta trans e quejandos, desde que não se belisque a tradição. Na cabeça de Moedas, desvios à norma são um perigo para o caráter "institucionalista" da República. Que o líder da coligação Novos Tempos (suprema ironia!) assim pense no século XXI tem que se lhe diga. Seguramente sem disso tomar devida nota, Moedas ajudou, com esta desastrada atitude, a cimentar um pouquinho mais esse veneno de ação lenta chamado discurso de ódio. Profundamente ignorante no que à comunidade trans diz respeito, Moedas esqueceu o óbvio: a luta contra o preconceito e contra a estupidez de quem continua a ver o mundo usando as cómodas lentes cisgénero faz-se todos os dias, a todas as horas, aproveitando todos os momentos para reconhecer as opções dos que, a golpes de coragem e determinação, nos ensinam o real valor da identidade. Isso devia valer, se possível, um pouquinho da consideração de Moedas. Não valeu.
*Jornalista