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Este país nasceu para isto. Este país nasceu para ver um treinador bi-campeão sair fulminante para o clube rival da 2ª circular, sem aviso ou pré-detenção. Ninguém decretou prisão domiciliária ou simples termo de identidade e residência. Jorge Jesus seguiu o seu caminho, pelo seu pé e - fazendo fé nas suas próprias profecias - pelo que acredita. Porque razão pensariam em lhe barrar o caminho quando a auto-determinação de quem não se sente querido em casa emprestada fala mais alto? Traição ou ingratidão, lamento ou viuvez. Judas ou Jesus? Este país nasceu para isto, boquiaberto e assim, para ser agitado pelo futebol ou por um rude (admitamos) golpe de asa pessoal. Programas de coligação ou de oposição, quem quer saber? A abecedário não mudou mas lê-se com outra significância. Não tendo espaço ou informação para avalizar todos os prismas ou geografias do sismo ou do petróleo nascente, sinteticamente vamos às letras.
A, de Ansiedade. Após ter conseguido o bi-campeonato mais de três décadas depois, a perturbação e angústia benfiquista pela perda súbita do timoneiro é mais do que evidente. No estrangeiro, Jesus seria só um vulto. Ao lado, é uma permanente assombração. Mas tal como com a ansiedade excessiva, a sobranceria desmedida com que alguns sportinguistas têm "gozado o prato" pode ser a morte do artista. Uma semana, porém, sob o signo de Fellini é mais do que natural para os lados de Alvalade.
B, de Benfica. A estrutura, a célebre estrutura que ganha independentemente do treinador, dos jogadores e dos sapos atrás da baliza já teve um tempo em que podia ser cavaleira solitária das vitórias. A estrutura é imprescindível, claro. Mas não ganha sozinha. Hoje, reflectimos tanto sobre ela como sobre o ADN ou mística de um clube. Fazer de conta que estes seis anos de Jesus não fizeram ressurgir a mística ganhadora do Benfica é contar a história pelo lado da mentira. Aceitar a verdade é o primeiro passo para ultrapassar o luto da viuvez.
C, de Bruno de Carvalho. O Presidente do Sporting fez algo de impensável e fê-lo bem. Simultaneamente, fez algo de impensável e fê-lo mal. Jorge Jesus e Marco Silva, respectivamente.
D, de Despedimento. Quase tudo o que se conhece da nota de culpa do treinador Marco Silva é insustentável, prescrito ou risível. Há razões para não pagar, pela rescisão, cerca de 2 milhões a um treinador que venceu uma Taça de Portugal para o Sporting quebrando um ciclo de acentuado jejum? Então digam-se quais. Porque este "empurrar com a barriga" de rasgar contratos pode acabar por ser usado por Marco Silva como a sua própria justa causa. E se correr mal com Jesus... já sabemos como vai acabar.
E, de Eleições antecipadas. O Presidente do Sporting pretende ou não eleições antecipadas de forma a garantir, no melhor momento, a sua cadeira de sonho por mais uns anos? Disparando contra tudo e contra todos dentro e fora do Sporting, criando um clima de tensão com parte dos históricos do clube, o fogo de Bruno de Carvalho pode levar a eleições. Sobretudo, se internamente caírem na tentação de lhe alimentarem o "friendly fire".
F, de Formação. É verdade que André Gomes, João Cancelo e Bernardo Silva foram bem vendidos quase sem por o pé na equipa principal de Jesus, alimentando-se a dúvida sobre quanto poderiam valer se tivessem jogado. Mais, seguramente. Mas uma equipa de formação não ganha títulos. E o que ganha Alcochete com Jesus?
G, de Béla Guttmann. Depois de trocar o FC Porto pelo Benfica, diz-se que saiu das águias porque não lhe aumentaram o salário, após grandes conquistas. Algum paralelismo? Não consta, porém que Jesus tenha lançado qualquer maldição.
H, de História. Reescrever a história, retirando Jesus da fotografia do bi-campeonato é uma anedota sem piada. E grave.
I, de Inversão. O tão célebre fenómeno do bestial a besta ou vice-versa. Como conviver com o treinador do "limpinho, limpinho" no Sporting ou com o fantasma das conquistas recentes no Benfica?
J, de Jorge Jesus. No primeiro parágrafo.
K, de Kelvin. Jesus teve esta semana o seu momento Kelvin, já no tempo dos descontos. O Sporting já o teve na Taça de Portugal com "Kelvin Montero". Os portistas quando dançaram com ele, felizes, sobre a linha do horizonte no ano em que Jesus ajoelhou.
L, de Lopetegui. Na sua segunda época, adaptado mas sem muletas, não se pode limitar a espreitar pela frincha da fechadura da 2ª circular. Ou se impõe campeão ou pode acabar no último lugar do pódio.
M, de Marco Silva. Após uma época em que teve que gerir muito mais do que uma equipa de futebol, deixa recordações em Alvalade que só Jesus poderá estilhaçar. Sai por cima.
N, de Novela. Este país nasceu para isto. Ponto.
O, de Olé! Por mais que não se simpatize com os traços de personalidade, Bruno de Carvalho é o grande agitador do Benfica e desafiador da próxima época.
P, de FC Porto. Subitamente, a paz. Por mais que quisesse fazer-se ouvir, seria impossível. Pena que viva tal paz num verão tão frio sem títulos.
Q, de "Quero, posso e mando". O regime presidencialista pode fulanizar-se e esse é o perigo do Sporting. A caça às bruxas nunca foi um bom sinal mesmo que elas se façam sentir.
R, de Rui Vitória. O homem que se segue se for o homem que se segue. Que grandiosa e hercúlea tarefa para um belíssimo treinador.
S, de Sporting. Quando a esmola é grande, o pobre desconfia (ou outros adágios). As interpretações são diversas, mas é impossível não pensar que o Sporting aposta tanto que parece apostar tudo. Como se vai respirar após o primeiro soluço?
T, de Twitter. Ou outras redes sociais. João Gabriel reagiu a quente à saída de Jesus mas deu o mote da mágoa e da consternação. O director de comunicação do Benfica reagiu como um adepto. Não pode criticar Bruno de Carvalho quando ele mesmo se confunde tiffosi.
U, de Unanimidade. Ninguém a tem, ninguém a devia querer. Neste caso, não existe nem poderá existir. Os dois sucessores encontram um lugar desocupado mas recentemente vitorioso. E as personalidades são tão distintas que até os gabinetes deverão ser noutro andar.
V, de Luís Filipe Vieira. Muitos benfiquistas não lhe perdoarão o facto de não ter feito tudo para que Jesus ficasse.
W, de "WTF?". A exclamação que se ouviu esta semana de muitos que não gostam de dizer impropérios em língua portuguesa.
X, de Xaile. Que é como quem diz manto, que é como quem adjectiva de protector. Não é por Jesus mudar que tudo muda.
Y, de "Yes, Sir!". Os títulos de alguns jornais não mentem: Jesus chega como o todo-poderoso. A imagem de Sir Ferguson pode afinal concretizar-se no Sporting. Caso haja tempo, caso haja título.
Z, de Zero a zero. Independentemente de tudo, como vai começar o jogo da Supertaça em Agosto. A partir daí, será um resultado irrepetível entre Benfica e Sporting na próxima época.